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“Ainda ouço o barulho do guindaste caindo”: o depoimento de um operário sobre a vida num estádio da Copa

 

Cinco operários já morreram em obras dos estádios da Copa. Na África do Sul, só para efeito de comparação, foram dois. O episódio mais recente aconteceu em Manaus, na Arena da Amazônia. Marcleudo de Melo Ferreira não resistiu a uma queda da cobertura às 4 da manhã do dia 14. Estava instalando refletores.

Antes dele, também em Manaus, em março, seu colega Raimundo Nonato Lima Costa caiu de uma altura de 5 metros e sofreu traumatismo craniano. Tentava passar de uma coluna para um andaime e se desequilibrou.

A lista foi inaugurada por José Afonso de Oliveira Rodrigues, que despencou de uma estrutura de 50 metros no Mané Garrincha, em Brasília, em junho do ano passado. Os dois últimos casos foram os mais espetaculares. Ambos no Itaquerão. Fábio Luiz Pereira e Ronaldo Oliveira dos Santos foram atingidos depois que um guindaste desabou, atingindo parcialmente a fachada em LED.

Andrés Sanchez, responsável pelas obras, a construtora Odebrecht e as empresas terceirizadas que contrataram Fábio e Ronaldo afirmaram que estão se mexendo pagar o seguro às famílias.

Quem são essas pessoas cujo vulto você vê de longe? O que esperam? Quanto ganham? Sentem medo de encarar essas alturas? O DCM conversou com Gilson, 34 anos, operário da Arena Corinthians, que deu um depoimento sobre sua vida e seu trabalho:

As obras estão corridas. Mas, no dia em que aconteceu o acidente, tudo parecia calmo.  

Eu estava com alguns colegas dentro de um túnel que dá acesso ao primeiro andar. Costumo dormir lá dentro quando é possível. Temos uma hora e meia de almoço. Estava conversando com minha esposa no celular quando ouvi um barulho horrível. ‘O prédio está desabando, vamos correr!’ Logo que saímos do túnel, a grua desabou. Faltaram uns 10 metros para eu ser atingido. 

Nós temos de cumprir a meta estabelecida pela Fifa. O prazo inicial era de quatro meses. Por causa das normas de segurança, isso acaba atrasando. Uma hora um local está seguro, outra hora, não. Se estiver chovendo, por exemplo, temos de parar por causa do risco de tomar choque. Voltamos depois da chuva parar.

Não sei se o acidente foi causado pelas más condições do terreno, que estava molhado por causa da chuva que caiu um dia antes. Qualquer desnível, para uma máquina de 420 toneladas, pode ser fatal. 

Com o acidente, o Itaquerão só deve ficar pronto em maio. Era para acabar em dezembro ou janeiro. Ainda precisam tirar todos os destroços de lá.

Os dois homens que morreram eram amigos nossos, mas não próximos. Acabamos nos conhecendo por causa do trabalho. Foi um choque para todos. Inclusive para os nigerianos e angolanos que também dão expediente lá.

Eu ganhou de 3 500 a 4 500 reais por mês. Trabalho nisso há 6 anos. Estou acostumado com obras perigosas. Coloco revestimento em fachadas de edifícios. Nunca tive medo.

Moro no Capão Redondo e faço um turno das 7h30 às 16h30. Uso uma máquina que atinge até 42 metros de altura. A gente a chama de ‘girafa’. O guindaste caiu em cima dela. Eu poderia estar ali. 

Às vezes converso com minha mulher sobre o que aconteceu. Penso em parar, mas continuo. Deus é mais e é essa a profissão que eu tenho. O problema é o barulho da grua caindo. Às vezes, lembro dele na rua ou em casa, à noite. Aquilo nunca mais saiu da minha cabeça e não sei se vai sair algum dia.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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