Nosso Blade Runner

Atualizado em 14 de fevereiro de 2013 às 13:35
Alan (de verde) em sua arrancada para deixar Pistorius para trás nos 200 metros rasos

Alan Fonteles é o cara. A arrancada milagrosa no final dos 200 metros rasos, quando venceu o campeão sul-africano Oscar Pistorius nos Jogos Paralímpicos de Londres, já entrou na antologia.”Ele veio do nada”, narrou, perplexo, o locutor da emissora inglesa que transmite os jogos. Comparativamente, foi como se alguém tivesse batido Bolt nas Olimpíadas. Fonteles teve de ouvir de Pistorius,seu ídolo e superfavorito, que estava trapaceando.

Reagiu com elegância. “Estou dentro das regras e não tenho que falar se estou pequeno ou grande. Não posso fazer nada, se teve uma pessoa que se incomodou com isso. Ele conhece as regras e essa polêmica é só dele”, disse, sobre a acusação do rival de que suas próteses eram grandes demais, o que lhe daria vantagem.O choro de Pistorius foi destituído de qualquer fundamento: nas eliminatórias, ele tinha feito um tempo melhor que o de Fonteles ao ganhar o ouro. Na final, Pistorius parecia comemorar já uma vitória folgada quando Fonteles simplesmente alçou voo. Fazia nove anos que Pistorius não perdia.

A organização dos jogos se apressou em confirmar que Fonteles não fez nada que contrariasse as normas. Fonteles, paraense de 19 anos, teve septicemia quando bebê,depois de um problema no intestino. Foi entregue à mãe aos 21 dias com as pernas amputadas abaixo do joelho. Seus amigos de infância gostavam de correr, e acabaram convencendo sua mãe a procurar um técnico de atletismo para ele.

Fonteles acabou conseguindo treinamento graças a um programa social do governo do Pará. Correu com próteses de madeira dos oito aos treze anos. Ouvida pela BBC do Brasil, sua primeira treinadora, Suzete Montalvão, lembrou que no no início as pernas do garoto sangravam com frequência depois do treino. As coisas melhoraram quando, aos 13 anos, ele conseguiu próteses modernas e competitivas, as chamadas lâminas.

Aos 15 anos ele estreou numa Paralimpíada, em Pequim. Foi sétimo nos 200 metros e prata no revezamento de 4×100. A medalha o tornou um astro local em Belém, onde vive com a família — pai, mãe e uma irmãzinha que, numa entrevista, o definiu como o ‘homem mais bonito do mundo’.
Pistorius e Fonteles voltarão a se enfrentar na disputa dos 100 metros rasos.O menino humilde do Pará entrou desconhecido no Estádio Olímpico de Londres nos 100 metros. Os holofotes estavam concentrados na superestrela Pistorius, o único caso de atleta na história a disputar Olimpíadas e Paralimpíadas. Agora, Fonteles retornará ao Estádio Olímpico como uma celebridade atlética, o autor da até há pouco inimaginável façanha de deixar para trás, surgindo do “nada”, o mítico Pistorius.