“Além do Pó” é o livro de Mauro Donato sobre a luta antifascista de seu avô na Itália que merece ser lido no Brasil de hoje

Atualizado em 1 de setembro de 2017 às 7:20

 

O jornalista Mauro Donato, colunista do DCM, lançou no dia 28 de julho o livro “Além do Pó” no Centro Cultural Brasil Itália, em São Paulo. É a história de Ferruccio “Bill” Fellegara, seu avô, padrasto de sua mãe e sobrevivente da Segunda Guerra Mundial.

É fruto de uma viagem a Voghera, comuna italiana na região da Lombardia, província de Pavia, que Mauro fez em 2015. Ele recorreu ao arquivo histórico da cidade e aos documentos da Associazzione Nazionale Partigiani di Italia (ANPI) para falar da resistência italiana ao nazifascismo através dos partigiani.

Mauro Donato mergulha num mar de questionamentos ao trazer vagos conhecimentos sobre a história de Bill e confrontá-los com os documentos na Itália.

Ele fez parte do exército fascista do ditador Benito Mussolini? Ele foi filiado ao PCI, o Partido Comunista Italiano? Quem ele foi? E como Bill participou da luta partigiana?

Mauro os descreve como jovens desiludidos com a prorrogação da Segunda Guerra e os bombardeios que a cidade sofria dos inimigos de Mussolini.

“A violência daquele regime autoritário, as bombas que caíam noite após noite sobre as cidades, fazendo a população sentir na própria pele a fragilidade do equipamento bélico italiano e a incerteza com relação ao futuro do país já motivava indivíduos que passaram a formar grupos de oposição ao fascismo. Assim começaram a brotar destacamentos aqui e ali, desordenadamente, de maneira espontânea”.

Eles não se descreviam como comunistas ou socialistas. “Referindo-se a si mesmos como rebeldes, revolucionários ou mesmo patriotas (mas num sentido totalmente diverso de então, um patriotismo radicalmente antifascista), não eram ainda ‘partigiani’. Muitos desses primeiros agrupamentos estavam imbuídos de certa dose de ingenuidade e até mesmo algum sentido juvenil de aventura”, pontua o autor.

Sou, como Mauro Donato, neto de italianos. Meu avô também recheava as histórias sobre a Segunda Guerra Mundial com um ar de mistério. Ferruccio Fellegara contava piadas a Mauro quando era questionado sobre seu passado. E isso tornou a reportagem ainda mais interessante.

Lutando contra os fascistas: Ferruccio é o de bigode na segunda fileira

“Em minha primeira reunião na sede da ANPI, em Voghera, cidade onde o núcleo italiano de minha família formou-se, os integrantes da associação desconheciam o fato de que ele estava junto ao grupo que foi covardemente fuzilado por nazifascistas. Eu possuía centenas de perguntas a fazer sem saber exatamente por qual iniciar. O clima ficou ainda mais tenso quando as perguntas vieram do lado de lá. Eu tinha alguma suspeita sobre o porquê de todo aquele silêncio familiar?”, escreve Mauro em seu primeiro livro.

E qual é o sentido de pesquisar uma história entre 1942 e 1945 em sua própria família para dissecar a luta antifascista na Itália? Mauro Donato na verdade dá um recado para que as novas gerações não repitam os erros dos antigos.

Nos Estados Unidos de Donald Trump já surgiram grupos abertamente neonazistas marchando em Charlottesville. No Brasil do presidente golpista Michel Temer, os direitos sociais conquistados nos últimos anos estão sendo liquidados e nomes fascistas como Jair Bolsonaro estão sendo cogitados para o governo.

A luta de esquerda e antifascista deve ser reestudada nesses tempos estranhos. Por isso, o livro “Além do Pó” tira verdades incômodas do passado em suas 184 páginas para entender e lutar por um futuro melhor.

“Meus filhos – e seus futuros filhos – meus primos, seus cônjuges, nossos próximos descendentes, têm o direito de conhecer uma mínima fração que seja de parte da origem familiar e da história de um homem extraordinário que merece reconhecimento. Mais ainda: é imperativo não deixar de transmitir às gerações futuras o que é o fascismo. Reforçar que não é um fragmento restrito a um período histórico e sim um conjunto de valores que encampa o racismo, a xenofobia, a opressão, a anti-democracia, o desrespeito a qualquer etnia ou cultura ‘diversa’ e aos direitos fundamentais de liberdade”.

Como um brasileiro descendente de italianos, entendo a necessidade de Mauro Donato de contar a história do seu avô e da política mundial. Para criar um mundo melhor através de exemplos do passado.

Serviço:

No próximo dia 3 de outubro, às 19:00, haverá apresentação do livro e sessão de autógrafos no Istituto Italiano di Cultura di San Paolo, na Av. Higienópolis, 436