Alexandre e Dino: os leões de Brasília e o golpismo do Congresso. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 30 de junho de 2025 às 6:23
Os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes, do STF – Foto: Reprodução

Por Aldo Fornazieri*

Todos aqueles que atuam politicamente deveriam saber que a natureza da política e do poder é ambivalente, estruturada numa série de pares paradoxais. Deveriam saber também que a moral da política e do poder não se define por regras receituárias, mas varia de acordo com as variações interdependentes entre objetivos e circunstâncias. Essas são regras universais do agir político estabelecidas por Maquiavel.

Dentre os principais pares paradoxais estão: liberdade/autoridade, satisfação/temor, concessão/advertência, convencimento/imposição, coerção/consenso e lei/força. Os polos de cada um desses pares podem ter outras combinações. No jogo político e de poder, quase nunca um dos polos é aplicado de forma pura. Eles são aplicados de forma combinada, mas com graus diferentes, dependendo sempre das circunstâncias e dos objetivos. O grande líder é aquele que sabe aplicar com eficácia as variadas combinações dessas ambivalências, segundo as exigências da realidade.

Para quem governa, o par mais importante é o da lei e da força. Para Maquiavel, agir pela lei é próprio da natureza dos humanos, e agir pela força – que não é necessariamente violência – é próprio da natureza dos animais. Aos governantes, às vezes, agir pela lei não é suficiente, sendo necessário recorrer à força. Os heróis arquetípicos antigos sabiam disso. Essa regra foi transmitida a eles pelo ser mitológico, o centauro Quíron, que era meio homem e meio animal.

Mas agir pela força implica um novo par: é preciso ser leão e raposa, sabendo usar as características de cada um desses animais de acordo com as circunstâncias. O leão aterroriza os lobos, mas não sabe evitar as armadilhas. Já a raposa percebe as armadilhas e age com astúcia para evitá-las, mas não é capaz de se defender dos lobos.

Com a ascensão da extrema-direita no mundo e, particularmente, no Brasil por meio do bolsonarismo, a conjuntura está marcada por relações de força. Foi isso que Alexandre de Moraes e Flávio Dino perceberam e que o governo não percebeu. Daí o comportamento de leões dos dois e o comportamento de gatinho do governo.

Alexandre de Moraes age como um leão no enfrentamento dos golpistas. Existem várias formas e dosagens na aplicação da lei: a forma branda e a forma severa, ou seja, a força da lei. Moraes percebeu que o bolsonarismo articula um estado permanente de intenção golpista e uma propensão compulsiva a violar as leis e a Constituição. Diante disso, agir de forma branda seria permitir um golpismo continuado, que vem sendo praticado pela extrema-direita em todo lugar.

No Brasil, o golpismo continuado está vivo dentro do Congresso, que, no julgamento dos golpistas, articula o projeto da anistia e a intenção de dominar o Senado na próxima legislatura para confrontar o STF. Diante disso, Alexandre decidiu agir com uma estratégia leonina, dura e sem transigência, pois é preciso conter os ataques bolsonaristas contra a democracia.

As mesmas circunstâncias percebidas por Alexandre foram captadas por Flávio Dino no enfrentamento das emendas parlamentares e das críticas que vem sofrendo de deputados e das direções da Câmara e do Senado. Não há dúvida, para qualquer jurista honesto e qualquer pessoa de bom senso, de que as emendas secretas são inconstitucionais. Dino tem enfrentado com firmeza as manobras golpistas do Congresso, exigindo o cumprimento da Constituição.

Com o argumento de que o STF usurpa poderes, congressistas chefiados por Hugo Motta e Davi Alcolumbre agem em favor de um golpe contra a Constituição ao tentar impedir que o Supremo exerça o controle de constitucionalidade. Ora, em qualquer constituição democrática, cabe às supremas cortes barrar abusos do Parlamento e do Executivo. Querer um Congresso absolutamente independente para praticar arbitrariedades é prática golpista: tudo o que é contra a Constituição é golpe.

Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados – Foto: Reprodução

Golpe foi também o que o Congresso fez ao sustar, por decreto legislativo, o aumento da alíquota do IOF estabelecido pelo governo. Esse ato foi claramente inconstitucional, pois usurpou uma prerrogativa do Executivo de editar decretos normativos visando à execução da lei. Os congressistas, liderados por Motta e Alcolumbre, agiram contra a Constituição.

Golpe também é o que o Congresso vem fazendo ao sonegar instrumentos para o Executivo governar. Ao não aprovar medidas de arrecadação ou propostas que reduzam gastos do Estado em setores privilegiados, impede-se o cumprimento do princípio da responsabilidade fiscal.

Na verdade, o Congresso aplica um golpe contra o povo. Impede medidas de justiça fiscal, penaliza os mais pobres com impostos regressivos e promove cortes de direitos trabalhistas. Reclama por corte de gastos, mas aprova aumentos, como o acréscimo de 18 cadeiras de deputados.

Mais vergonhosa ainda foi a atitude da bancada do PT: 75% dos parlamentares do partido se juntaram a 90% da bancada do PL para aprovar o aumento do número de deputados. Parte da bancada petista também aprovou a derrubada de vetos de Lula à lei das eólicas, medida que aumentará a conta de luz da população. Não resta dúvida de que parte da bancada do PT hoje integra o centrão.

Em outra ocasião, afirmei que temos “um Congresso sem pudor e um governo sem rumo”. Podemos acrescentar: temos um Congresso golpista e um governo prostrado. O governo precisa reagir. Precisa abandonar a ilusão de que o país não está polarizado. Se Alexandre e Dino agem corretamente como leões, o governo, por depender do Congresso, precisa agir com inteligência estratégica: ora como leão, ora como raposa. Ora com força, ora com astúcia.

A articulação política e a comunicação do governo continuam desastrosas. O governo segue sem comando político. Lula precisa reorganizar o governo e dar-lhe rumo. Deveria revisar a malfeita reforma ministerial.

Governo e PT são atores diferentes. Se o PT deve apoiar o governo, não pode se acomodar ao governismo. Seu papel é outro. Se o governo precisa negociar e enfrentar o Congresso, o PT, perdido, deveria preparar sua militância para uma eleição polarizada, de radicalização e confronto. Acreditar no contrário e não se preparar é pavimentar o caminho para a derrota.

*Aldo Fornazieri possui licenciatura em Física pela Universidade Federal de Santa Maria (1979), mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2000) e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2007).