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Altivo e ativo

Era óbvio que isso não pode permanecer — mas nenhum presidente deixou isso claro antes

Altiva e ativa.

Era assim que o chanceler Celso Amorim desejava que fosse a política externa brasileira. É o que ele próprio conta numa entrevista à Folha de hoje que recomendo vivamente.  Segundo Amorim, aquela definição foi feita a Lula quando, em 2002,conversaram sobre como ele, nomeado chanceler, via seu trabalho no Itamaraty.

A expressão “altiva e ativa” acabaria entrando, como conta Amorim, no programa do PT, que então ele mal conhecia.

A entrevista é boa porque ajuda a entender melhor o mundo em que vivemos.  A China, como conta Amorim, costumava entrar na lista de países que não respeitam direitos humanos quando não havia acordos comerciais com os Estados Unidos. Quando tinha, ficava de fora. “Há sete países que convivem com situações crudelíssimas e jamais são mencionados”, disse Amorim. “Por quê? Porque têm bases militares americanas ou outros interesses.”

Assim é o mundo, gostemos ou não. É bom que pelo menos saibamos como as coisas são feitas.

A manipulação de percepções e informações é ampla, geral e irrestrita. Há pouco tempo, uma americana foi morta na cadeira elétrica. Ninguém se mobilizou. Nem um miserável abaixo assinado correu o mundo. Em compensação, o caso da iraniana condenada à morte  — um horror, evidentemente —  é citado ubiquamente como prova de quanto o Irã é atrasado e malvado. Em boa parte do noticiário não é colocada com precisão sequer a acusação. Ela foi condenada não por adultério, mas por tramar a morte do marido com o amante.

Por que tanta diferença na atitude universal em relação às duas mulheres? Matar mulher nos Estados Unidos numa cadeira é aceitável? Gosto da reação à condenação no Irã. Desgosto do desprezo com que foi tratada a americana.

Amorim traz dados interessantes. O saldo comercial do Brasil com a China, por exemplo, deve chegar este ano a 7 bilhões de dólares. Com os Estados Unidos, o déficit é de 5 bilhões.

Onde está o problema?

O pecado de Amorim é o culto da personalidade que faz de Lula. Ele diz que, como Pelé, Lula é “único”. Não haverá outro igual.

A contribuição de Lula no combate à pobreza é milionária, é verdade. Ele fez parecer óbvio o que já deveria ser óbvio há muito tempo:  erradicar a miséria é a prioridade um, dois e três do Brasil. E também tirou do Brasil a coleira que o atava aos Estados Unidos, sem ser hostil e agressivo como Chávez. Um dos erros crassos de Serra foi tentar transformar em fraqueza o que foi uma força dos anos Lula — a política externa “altiva e ativa”.

Dito isso, é bom que o culto de personalidade do presidente que se despede não prospere, ou o Brasil será eterno órfão de Lula e olhará para trás e não, como deve, para a frente.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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