Álvaro Dias precisa parar de falar bobagem sobre o BNDES. Basta ler seu vice. Por Clayton Netz

Atualizado em 13 de agosto de 2018 às 20:56
Paulo Rabello e Álvaro Dias. Foto: Reprodução/Globo

Um dos legados mais importantes, juntamente com a Petrobras, do segundo governo do presidente Getúlio Vargas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que teve no economista Roberto Campos, um dos ícones do liberalismo no Brasil, entre seus primeiros presidentes, transformou-se ao longo das últimas seis décadas e meia num dos principais motores do crescimento do País.

Dadas as características do sistema bancário privado brasileiro, extremamente concentrado e majoritariamente voltado para operações de curto prazo sustentadas por juros escorchantes, o banco estatal foi, nestes 66 anos de existência o principal, financiador dos grandes projetos de infraestrutura governamentais e fonte imprescindível para o investimento empresarial na indústria, serviços e no agronegócio, secundado em parte pelo Banco do Brasil e pela Caixa.

No entanto, nos últimos tempos, mais precisamente desde a campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff, tornou-se uma espécie de esporte preferido dos políticos antipetistas e seus porta-vozes na mídia brasileira jogar pedras no banco de fomento estatal. Ao lado da Petrobras, massacrada pela Lava Jata, o BNDES aparece como um dos grandes vilões, responsáveis por todas as mazelas nacionais, em particular pela corrupção. 

Acusam-no, entre outras coisas, de privilegiar um punhado de eleitos, os amigos do Rei, nos quais se teriam concentrado os financiamentos a juros camaradas para sustentar a expansão de seus negócios e irrigar, por debaixo dos panos, os caixas dos partidos de sustentação dos governos do PT. 

O banco também é condenado pelo apoio ao processo de internacionalização das empresas brasileiras, principalmente quando se trata de financiamentos a projetos executados em países menos desenvolvidos da América Latina, como Cuba e Venezuela, e da África, a exemplo de Angola, Moçambique e Gana –à frente de todos os alvos destaca-se a construção do porto cubano de Mariel, uma espécie de Geni de estimação dos críticos de direita.

A mais recente manifestação dessa postura aconteceu no primeiro debate entre os concorrentes à presidência da República, promovido pela TV Bandeirantes, na quinta feira, 9. Pela boca botoquizada do senador paranaense Álvaro Dias, candidato do Podemos, o distinto público ficou sabendo de sua disposição de acabar com a corrupção no BNDES, ao responder a uma pergunta do candidato Jair Bolsonaro (PSL), que lembrou a origem de seu companheiro de chapa, Paulo Rabello de Castro, que ocupou a presidência do banco no governo Temer,
“Sem dúvida, o Paulo Rabello de Castro, economista do ano, vem em razão de nossas convergências”, disse o Coringa das Araucárias. “Ele foi por pouco tempo presidente do BNDES e as coisas começaram a mudar.”

Depois de criticar a transferência de recursos da ordem de R$ 716 bilhões do Tesouro Nacional, do FAT e do PIS-Pasep para o banco, Dias condenou justamente sua utilização na realização de obras no exterior pelas empreiteiras brasileiras, em vez de ser aplicado em obras de infraestrutura e logística no Brasil.

“Nós não permitiremos que o governo empreste, sobretudo para nações comandadas por ditadores corruptos e sanguinários, que esmagam seus povos na miséria”, afirmou Dias, para satisfação de Bolsonaro, que não poupou congratulações. “Os recursos do BNDES não vão construir metrô na Venezuela, vão para construír metrô em Belo Horizonte, despoluir o rio Tietê, a Baía da Guanabara.”

Tudo muito bem, tudo muito bom, não fosse um pequeno detalhe: a tal convergência sobre esse tema entre Dias e Rabello de Castro é tão verdadeira quanto os fios de cabelo que ornam a cabeça do cabeça de chapa podemista. 

À frente do BNDES, o economista carioca, ao contrário do pretendido por Álvaro Dias, mostrou-se um ferrenho defensor da pertinência e da lisura da política de investimentos e empréstimos do banco no período anterior ao golpe que levou Michel Temer ao poder. Mais: em praticamente todos os 10 meses em que permaneceu na presidência, Rabello de Castro protagonizou uma queda de braço com a equipe econômica de Temer, insurgindo-se contra a elevação dos juros cobrados pelo banco e contra a pretendida devolução de recursos para capitalizar a União.

Uma de suas primeiras providência ao assumir o comando foi a produção do Livro Verde, um cartapácio de 417 páginas que faz o balanço de 15 anos de atividades do banco, entre 2001 e 2016, concentrados nos quatro governos do PT.

“Por 65 anos, e por muitas administrações, regidas pelos mais distintos temperamentos e visões de mundo, o BNDES jamais perdeu a integridade de sua missão de tentar acelerar a chegada de um futuro melhor, de maior conforto, renda e segurança de emprego, para milhões de brasileiros”, afirmou Rabello de Castro, na apresentação do Livro Verde. “ Resta claro e inequívoco que o BNDES nunca desperdiçou recursos preciosos do povo nem jamais os aplicou de forma temerária”.

Mais adiante reserva um espaço para comentar a tão condenada política de “campeões nacionais”, demonizada por gente sem noção e desinformada como Álvaro Dias e Bolsonaro. “E assim chegamos ao desempenho da última década e meia, após o primeiro meio século do BNDES. Os últimos 15 anos seriam, em uma certa narrativa vulgar, associados a uma nova e polêmica direção, a de pré-selecionar “campeões nacionais”, uma meia dúzia de privilegiados, detentores de acesso diferenciado e restrito a verbas bilionárias, a eles atribuídas pelo Banco de modo territorialmente concentrado e para enriquecimento sem causa de uns poucos capitães de indústria”, alertou. “Entretanto, os dados apresentados na segunda parte do Livro ,verde marcam a gradual inflexão do esforço e das políticas do Banco justamente em prol de uma aplicação cada vez menos concentrada nas infraestruturas e plantas industriais de grande porte.”

Abaixo, um resumo do conteúdo do “Livro Verde”, publicado no Blog do Clayton Netz, hospedado no portal da revista Istoé Dinheiro, em 26/07/2017

Rabello de Castro mostrou que o BNDES não é a “casa da mãe Joana”

Paulo Rabello de Castro assumiu o comando do BNDES em maio deste ano

Criado em 1952, no segundo mandato do presidente Getúlio Vargas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) transformou-se, ao longo de seus 65 anos de existência, num dos motores do crescimento e da modernização do País. Nas diferentes fases de sua existência, foi o principal financiador dos grandes projetos de infraestrutura governamentais e fonte imprescindível para o investimento empresarial na indústria, serviços e no agronegócio.

Graças aos recursos provenientes do Imposto de Renda, nos primeiros tempos, ou do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), mais tarde, o banco pôde oferecer dinheiro mais acessível e de longo prazo a seus clientes, suprindo a lacuna deixada seja pela banca privada, com seu viés curtoprazista, praticante das taxas de juros mais elevadas do planeta, seja pela Bolsa de Valores, tradicionalmente limitada para suprir as necessidades do mercado de capitais.

No entanto. esse papel transformador, que colocou o BNDES, em 2015, entre os três maiores bancos mundiais de fomento (também conhecidos como Instituições Financeiras Públicas de Desenvolvimento –IFDs), atrás apenas do China Development Bank (CDB) e do alemão Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW), passou a ser contestado internamente, nos últimos anos. À medida que se aprofundava a radicalização política e avançava a crise que aflige a economia, o banco tornou-se alvo de uma campanha de demonização e de questionamentos virulentos quanto a lisura de seus procedimentos, acusado de malversação do patrimônio público e de favorecimentos escusos.

Coube ao novo presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, repor as coisas no devido lugar e mostrar ao distinto público que não, o banco, que teve entre seus mentores e como um dos primeiros presidentes o economista Roberto Campos, um ícone do liberalismo brasileiro, não havia se transformado numa espécie de “casa da mãe Joana” do sistema financeiro nacional ou num playground exclusivo de Joesleys, Wesleys, Eikes e Odebrechts.

Economista respeitado, da mesma tribo liberal de Campos, o segundo presidente do BNDES nomeado pelo presidente Michel Temer, tão logo assumiu o cargo, em maio passado, encomendou aos seus quadros técnicos, um amplo balanço sobre as atividades da instituição, que completa 65 anos de existência em 2017. Produzido em menos de dois meses e batizado de Livro Verde, o cartapácio de 417 páginas, depois de uma relativamente breve descrição das origens do banco, que só incorporou o “S” de social em 1982, concentra-se nos últimos 15 anos de atividades – mais precisamente no período 2001- 2016.

No relatório são tratadas desde questões como as fontes de recursos, a posição relativa no mercado de crédito nacional, o funcionamento das carteiras de ações do BNDESpar, seu braço de participações, a qualidade dos créditos concedidos, passando por temas como o estímulo à inovação e sustentabilidade, até chegar aos assuntos mais polêmicos, como a chamada política de campeões nacionais e o apoio à internacionalização das empresas brasileiras, com lugar à defesa de projetos em países como Cuba e Angola.

Na introdução ao trabalho, Rabello de Castro faz uma veemente defesa do Banco e da atuação de seus antecessores no comando. “Nunca pairou dúvida, até período bem recente, no sentimento da opinião pública e das lideranças nacionais, sobre se o esforço do País em financiar com tributos um banco de fomento como o BNDES teria valido a pena”, afirmou. Mais adiante emendou: “o Livro Verde é uma singela contribuição para tornar esse debate o mais amplo e bem informado possível, sem a inconveniente repetição de fantasias ou “pós-verdades” sobre as atividades do banco, que não servem senão para poluir a cristalina história de uma instituição vencedora.”

A concentração da análise na última década e meia de atuação do BNDES não se dá por acaso, mostra Rabello de Castro. “Os últimos 15 anos seriam, em uma certa narrativa vulgar, associados a uma nova e polêmica direção, a de pré-selecionar “campeões nacionais”, uma meia dúzia de privilegiados, detentores de acesso diferenciado e restrito a verbas bilionárias, a eles atribuídas pelo Banco de modo territorialmente concentrado e para enriquecimento sem causa de uns poucos capitães de indústria”, afirmou.

Segundo ele, ao contrário, os números indicam que houve, no período citado, um movimento justamente oposto, na concessão de recursos. Os montantes destinados às pequenas e médias empresas, que entre 1996 e 2000 representavam 15% dos desembolsos totais do BNDES, dobraram para 32%, ao final de 2016. De acordo com o relatório, esse segmento recebeu nada menos de R$ 695,4 bilhões, entre 2001 e 2016.

O restante dos recursos aplicados foi destinado às grandes empresas, negócios com receitas superiores a R$ 90 milhões. Nos 15 anos, os desembolsos do Banco totalizaram R$ 2,47 trilhões, em valores constantes de 2016. No período, os maiores desembolsos anuais aconteceram em 2009 e 2010, com R$ 234,3 bilhões e R$ 266,9 bilhões, como resposta do governo à crise financeira internacional, do final da década passada. Em decorrência desse esforço, a participação dos desembolsos do BNDES em relação ao PIB aumentou de 2,2% entre 2001 e 2008 para 3,7% nos cinco anos seguintes.

O reforço da participação do BNDES no sistema de crédito nacional durante a crise evidenciou, mais uma vez, uma distorção: a crônica ausência das instituições financeiras privadas na oferta de financiamento de longo prazo, no País. De acordo com o Livro Verde, 90% dos créditos concedidos com prazo superiores a cinco anos ficaram por conta dos bancos oficiais, incluídos o Banco do Brasil e a Caixa. Isoladamente, o BNDES responde por 53% do total. Detalhe: a Itaúsa, holding que controla o Itaú Unibanco, o maior banco privado nacional, e companhias industriais, como a Duratex e a Eleikeroz, é uma das grandes tomadoras de recursos do Banco.

Em consequência e não por acaso, a exemplo da Itausa, nada menos de 783 dos maiores grupos empresariais locais recorreram a empréstimos do banco de fomento, nos últimos 15 anos, para sustentar seus investimentos aqui e no exterior. Entre os 50 maiores, 14 são estrangeiros, de setores como automotivo, energia, telecomunicações e mineração. “Diante do exposto, não se pode afirmar que o BNDES tenha escolhido um ou outro grupo nacional para ser campeão em detrimento de seus competidores nacionais ou estrangeiros”, diz o Livro Verde.

Prova disso, é a posição da J&F, controladora da JBS, que juntamente com o falecido grupo X, do empresário Eike Batista, costuma ser apontada como uma das principais beneficiárias da política de campeões nacionais. Num ranking em que a Petrobras e a Embraer aparecem em primeiro e segundo lugares, com R$128,5 bilhões e R$ 85,9 bilhões de empréstimos e financiamentos, respectivamente, a J&F figura na 19ª posição, com R$ 14,9 bilhões. Detalhe 2: enquanto a Embraer, a segunda colocada, teve receitas de R$ 21,4 bilhões, no ano passado, a J&F, dona da JBS, Eldorado Celulose, Vigor e Alpargatas, entre outras, faturou R$ 183 bilhões.

Alvo principal da temporada de caça aos “campeões nacionais”, principalmente após a rumorosa delação do empresário Joesley Batista, a JBS, carro-chefe da J&F, não foi o único player importante do setor de proteína animal a receber aportes significativos do banco estatal. Ela é seguida de perto pela BRF, que recebeu R$ 13,1 bilhões, com um faturamento (R$ 33,7 bilhões em 2016) equivalente a menos de 20 % do obtido pela rival.

O investimento nos frigoríficos nacionais, incluídos nomes como Marfrig, Minerva e Bertin, que totalizou R$ 31,2 bilhões, entre 2005 e 2016, é justificado no Livro Verde por atender a dois objetivos principais: por um lado, consolidar o Brasil como o maior exportador mundial de proteína animal. Por outro, fazer do Complexo Carnes a principal fonte de divisas do agronegócio.

Do ponto de vista exclusivamente dos negócios, descontado o envolvimento em escândalos, como o pagamento de propinas a políticos pela JBS e e na Operação Carne Fraca, que atingiu também a BRF, deu certo. Quando recebeu o primeiro aporte do BNDES, em 2005, para a aquisição das operações da americana Swift, na Argentina, a JBS faturava R$ 4 bilhões anualmente. Onze anos depois, a JBS transformara-se num gigante com receitas de R$ 170 bilhões, 71% delas obtidas no exterior, tornando-se a número um global do setor de proteína animais, com produção nos Estados Unidos e Austrália.

Na visão do Livro Verde e do próprio Rabello de Castro, não há do que reclamar, do ponto de vista estritamente financeiro, da relação da BNDESPar, o braço de participações do Banco, com a JBS. “Foi um dos negócios mais bem bolados e bem sucedidos da BNDESPar”, afirmou Rabello de Castro, na entrevista de lançamento do Livro Verde. Ao todo, o apoio do Banco, via mercado de capitais, somou R$ 8,1 bilhões. Em contrapartida, computados dividendos, comissões, venda e valorização de ações (o BNDES detém 20,3% do capital da empresa), o saldo líquido das operações chegou a R$ 3,56 bilhões.

Rabello de Castro lembrou que, “até a lambança da delação de Joesley Batista, em maio passado, as ações da companhia, estavam cotadas a mais de R$ 10. Depois da divulgação da gravação envolvendo o presidente da República, voltaram a valer R$ 7, preço pelo qual foram adquiridas em 2005. A queda, motivada por fatores essencialmente políticos, é minimizada pelo presidente do BNDES. “Queda de preço momentânea não é prejuízo”, afirmou.

À experiência da JBS, o Livro Verde agrega os casos vitoriosos, do plano estritamente econômico-financeiro, repita-se, de companhias bem sucedidas no mercado interno, que buscaram na internacionalização um novo campo para o seu crescimento. Fazem parte da lista grupos como Gerdau, BRF, Embraer, Weg, Natura, Odebrecht, Ambev, Oxiteno, Totvs e Vale, entre outros. “Os campeões, quando surgem –e isso acontece quase sempre –, não decorrem de uma seleção discriminatória e prévia do Banco, mas vitoriosa apropriação de oportunidades pela própria empresa ou pelo ente público colaborado”, afirmou Rabello de Castro. “Os verdadeiros campeões se fazem; não são feitos por falso milagre de quem quer que seja.”

Na introdução do Livro Verde, Rabello de Castro não deixou de investir contra outra inverdade, que tem assumido ares de verdade nos últimos tempos: a de que a política de crédito subsidiado e os interesses políticos teriam colocado o Banco numa situação de quase insolvência. “O Banco não faz favor nem prática caridade pública”, escreveu, referindo-se às operações financeiras. “Em bom português, o BNDES tem de apresentar lucro líquido.” Segundo ele, a soma de tributos e dividendos pagos ao Tesouro no período 2001-2016 chegou a R$ 129,7 bilhões. “Resta claro e inequívoco que o BNDES nunca desperdiçou recursos preciosos do povo nem jamais os aplicou de forma temerária”, afirmou Rabello de Castro.