
Em que país você vive? O que faz discurso pós-petróleo, tem forte voz na descarbonização e prega a bioeconomia, mas está comprometido em projetos de exploração de óleo e gás – especialmente em alto-mar (offshore), uma especialidade da firma?
Como faz o Brasil de Lula, que na conferência do clima, a COP-28, acendeu uma vela para o futuro do planeta, e outra para a Petrobras, orgulho nacional, do qual somos acionistas majoritários, cujo planejamento estratégico continua priorizando furar poços de petróleo, dentro e fora do território brasileiro.
Ou o outro país, que ameaça anexar parte de outra fronteira, após plebiscito unilateral, inflamando o nacionalismo pátrio, mas que está de olho nos petrodólares do mar territorial vizinho? Como fez a Venezuela de Maduro, mirando a exploração e produção de petróleo e gás em Essequibo, região que é disputada há 200 anos com a Guiana, mas que, há apenas dez anos, virou um campo de ouro negro a céu aberto.
No meio, um dos países mais pobres da América Latina, a Guiana, que acaba de ter um dos maiores crescimentos do mundo. Aos fatos. Desde 2015, a norte-americana Exxon Mobil descobriu uma enorme reserva inexplorada de petróleo por ali. A Guiana foi o primeiro e atualmente tem uma reserva que totaliza 11 bilhões de barris.
Trata-se de chocantes 75% da reserva total de petróleo do Brasil, que totaliza 14,8 bilhões de barris, incluindo as descobertas no Pré-Sal. A Guiana tem ótimas relações com os EUA, diferentemente da Venezuela de Maduro. A saída dessa equação, porém, não se dará por tanques, como na Ucrânia e em Gaza, mas na mais fina diplomacia. É o que asseguram, em on e off, especialistas militares, diplomáticos e acadêmicos ouvidos pelo DCM.
Muito barulho e, ao final, um acordão para, sem trocar uma bala de canhão, fatiar a exploração das riquezas do mar territorial dessa área quase caribenha, que, além da Guiana , inclui Suriname e a Guiana Francesa – uma possessão do país europeu -, além de um naco do Brasil, especialmente via Amapá, mas não apenas.
No Suriname, a primeira descoberta foi em 2020. Bastaram 3 anos para que se provasse o potencial de extração de 4 bilhões de barris, cerca de 27% da reserva brasileira. Apenas a Guiana Francesa ainda não explora petróleo na área. E o Brasil, que maior produtor de petróleo da América Latina, morde os cotovelos.
Claro que entre exploração e produção há uma novela. Aprovação por órgãos reguladores de cada país, contratação e construção de plataformas e licenciamento ambiental. No Suriname, a primeira plataforma só deve iniciar as operações de 2025.
A Guiana iniciou a extração de óleo em 2019. A partir de então, já ganhou 2 plataformas e produz atualmente 375 mil barris de óleo equivalente (boe) por dia. Outras 2 unidades devem entrar em operação até 2025. A meta da ExxonMobil é elevar essa produção para 1,2 milhão de boe por dia até 2027. É a corrida do ouro em plena Amazônia no chamado Mar Equatorial – para arrepio dos ambientalistas.

A Petrobras vem superando seguidamente recordes com a produção de óleo e gás, após a descoberta da região do Pré-Sal, mas quer mais – precisa de mais, antes da era pós-óleo. Já a estatal de energia da Venezuela, PDVSA, vive um colapso em suas contas, tanto que recente lei venezuelana, já pós-plebiscito, criando a província venezuelana em Essequibo (com direito ao novo mapa da Venezuela com parte da ficção cartorial) -, ordenou que a petroleira estatal conceda já licenças para a “extração imediata” de recursos. Chamem os parceiros!, bradou Maduro.
Segundo fontes da área de óleo e gás, Jean Paul Prates, presidente da Petrobras, ouviu em alto e bom som. Ou seja, se todos se apertarem um pouquinho, tem espaço para todos.
Maduro tem que lidar com uma eleição no ano que vem, prova de sua “redemocratização” na reabertura pós-Ucrânia – quando suas riquezas se tornaram necessárias e ele virou de novo bom moço,- , talvez enfrentando, como não poderia ser diferente, uma direitista que interessa aos EUA, María Corina Machado, que quer-,somente – acabar com o socialismo na Venezuela.
Formada no programa de líderes mundiais em políticas públicas da Universidade de Yale, ela, por hora, está impugnada. Por hora. “O cálculo de política interna na Venezuela, mobiliza o nacionalismo plr uma causa, dando uma válvula para que a Revolução Bolivariana prove seu escape econômico”, disse, ao DCM, Marcus Ajuruam de Oliveira Dezemone, professor de História do Brasil República na UFF (Universidade Federal Fluminense) e na UERJ (Universidade do Estado do Rio), na graduação e na pós, atuando também na preparação para o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática desde 2006.
Ele se refere ao elemento estratégico econômico, que é o grande potencial petrolífero da região, cobiçada pela Venezuela. “Todos sabem que é mais factível mudar o desenho do mar territorial, e todos ficarem amigos, do que mudar o desenho da fronteira terrestre. Esse é o próximo passo para essa guerra nunca existir”, disse Marcus Dezemone. O primeiro encontro de cúpula ocorrerá na quinta, com o Brasil como o mediador interesseiro.
Para o professor André Araujo, pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR), espaço de investigação e extensão sobre iniciativas regionais de integração e cooperação, e doutor em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Bolonha, um eventual redesenho das fronteiras certamente teria o aval do Brasil, diz o professor, cuja área de estudos versa sobre política externa e regionalismo na América do Sul. Por tudo isso, a guerra Venezuela versus Guiana, para desgosto dos fabricantes de armas, não deve sair.
“Essa catarse atual do nacionalismo, de Essequibo, mas também de todo o Norte da América do Sul, de redesenhar o mapa, embora traga uma aparente causa, mudo tudo: da união de grupos políticos e econômicos- e militares – em torno de Maduro, por trás agora de todo o acesso a essa riqueza, mas do Brasil, que tem fronteira e beneficio direto com essa nova tríplice fronteira. Do petróleo, em alto-mar, ao ouro, nas florestas”, relaciona.
A riqueza desse Campo de petróleo dividido em várias bacias, com impacto na Foz do Rio Amazonas, é estimado em algo semelhante ao mar de óleo do Qatar, terceiro maior produtor do planeta. Mecanismos de gestão compartilhada na área podem entrar na pauta.
Mas há uma “Pax Brasiliana” a construir, primeiro, dentro do governo brasileiro. A nível externo, a política externa tem sido de paz e neutralidade- Ucrânia e Rússia, Israel e Palestina, confirmam -, e pegaria mal apoiar agora o ” agressor” venezuelano. Internamente, é pior.
Não há nem perto de um consenso sobre o licenciamento de empreendimentos da própria Petrobras no litoral do Amapá, na foz do rio Amazonas (antiga Guiana Portuguesa), com a área “desenvolvimentista” tentando isolar o Ibama – a despeito do órgão ter exatamente essa atribuição legal. Sem botar o pé no Amapá, fica tudo mais difícil.
E, como se sabe, teme-se que, pressionada, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que tem cobrado maior rigor em licenciamento ambiental, possa sair.
A porção brasileira sobre o tal Margem Equatorial envolve 5 bacias sedimentares: Foz do Amazonas, localizada nos estados do Amapá e do Pará – justamente onde a Petrobras quer perfurar poços em busca de comprovar as reservas -, Pará-Maranhão; Barreirinhas, localizada no Maranhão; Ceará, localizada no Piauí e Ceará; e Potiguar, localizada no Rio Grande do Norte.

Dos 42 blocos na região que já foram concedidos pela ANP (Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural), 11 deles devem receber R$ 11 bilhões em investimentos nos próximos 5 anos. Aos críticos, o governo argumenta que, embora o bloco esteja localizado na Bacia da Foz do Amazonas, ele não fica próximo da foz do rio Amazonas. A área onde seria perfurado o poço de petróleo se encontra a 500 km de distância da foz.
Então se você é apenas um rapaz latino-americano, que deseja arrematar um campo de petróleo gigante, mantendo uma sociedade carbonária onde desfilam carrões esportivos beberrões, que emitem toneladas brutas de gás carbônico, tudo bem.
Seu futuro está sendo garantido. Especialistas afirmam que a demanda por petróleo atingirá o pico em 2030, antes de cair muito lentamente, mas isso é controverso – as novas reservas não param de aparecer, caso de Essequibo -, e as soluções energéticas e bioeconômicas correm a passos de galinha.
Energia eólica, solar, hidroelétrica, biodiesel, gás natural, óleo vegetal, de mamona, gasolina ou nafta sintética, quantas experiências economicamente sólidas você conhece no mundo hoje para substituir o petróleo? Carros produzidos em série, numa linha de montagem infinita? Procure no Google. Vai sempre ler “projeto experimental”. Carros elétricos ou gasolina sintética? “Experimental”.
O ícone da indústria automobilística Henry Ford, símbolo do carro, da indústria e da linha de montagem, pensou ter criado o carro ecológico, em 1941. Foi batizado de Soybean Auto (“Carro de Soja”). Nunca foi comercializado. Por que será? O fato é que o mundo ainda dependerá de investimentos em exploração e produção de óleo e gás ao menos até 2050. Então é hora de aproveitar.
E por que não fechar um acordo pela exploração “hermana” no mar territorial mais promissor da América do Sul hoje, ali, na distante – pra nós – Guiana, hoje cercada por cadeias de montanhas e pela selva amazônica? É onde mira a PDVSA, fora os gringos que chegaram antes.
Próximo capítulo: os embaixadores – Quis o Deus destino que o Senado terá que aprovar nesta terça, 12, na Comissão de Relações Exteriores, as indicações para os cargos de embaixadores do Brasil na Venezuela e na Guiana – além de em Omã e Trinidad e Tobago.
Ou seja, uma sessão besta tem tudo pra virar uma guerrinha ideológica patrocinada por bolsonaristas. O relator da indicação de Glivânia Maria de Oliveira para a Embaixada do Brasil na Venezuela é senador Chico Rodrigues (PSB-RR). É da ex-tucana, senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), o parecer sobre a indicação de Maria Cristina de Castro Martins para representar a Embaixada Brasileira na Guiana.