Ameaças contra a vida de Lula no Pará reforçam o ‘Pacote da Democracia’. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 4 de agosto de 2023 às 10:33
Presidente Lula. (Foto: Reprodução)

Por Leonardo Sakamoto

No fundo de todo poço, há sempre um alçapão. Postagens nas redes sociais e aplicativos de mensagens bolsonaristas estão criticando ações da Polícia Federal contra suspeitos de planejar ou incentivar atentados contra a vida de Lula, que visita Santarém, a partir de hoje. É o fim dos tempos.

Ou seja, a crítica não é contra o fazendeiro Alisson Strapasson, que já havia invadido a Câmara dos Deputados nos atos golpistas de 8 de janeiro, ter prometido atirar na barriga de Lula, pesquisando até o hotel em o petista se hospedará. Muito menos contra um vigilante de Santarém que estaria distribuindo imagens ameaçando Lula de morte.

As reclamações da extrema direita são por conta da prisão do primeiro, pela PF, nesta quinta (3), e por uma ação de busca e a apreensão, com instalação de tornozeleira eletrônica, no segundo, nesta sexta.

Bolsonaristas deveriam entender a gravidade disso e não defender os envolvidos na base da “liberdade de expressão” por conta do abominável atentado sofrido por seu líder em 6 de setembro de 2018, quando era candidato à Presidência da República.

E esse tipo de ação não é mero exercício de retórica. Um ônibus da caravana que o Lula realizava na região Sul do Brasil, em março de 2018, foram atingidos por tiros no interior do Paraná. Ninguém ficou ferido. O veículo transportava parte dos jornalistas que estavam cobrindo os atos ostentava buracos de bala. Também foi encontrado material para furar pneus e forçar os ônibus a paparem.

Uma coisa é protestar contra governos e políticos. Outra coisa é tentar assassiná-los ou incentivar ataques. É a diferença entre a civilização e a barbárie.

Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

Da mesma forma não foi mero exercício de retórica os discursos de Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro, acusando-o de fraude, e fermentando o caldo que levou a bolsonaristas trancarem rodovias em todo o país pedindo paras as Forças Armadas prenderem Lula, incendiarem carros em Brasília no dia 12 de dezembro, data da diplomação do petista, plantarem uma bomba para tentar explodir o aeroporto da capital federal na véspera de Natal e invadirem as sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro.

Em um país que executa Marielle Franco, a quinta vereadora mais votada de nossa segunda maior cidade, voz de várias minorias historicamente sub-representadas, as regras de civilidade política já foram subvertidas há muito tempo. A verdade é que nem foram implantadas de fato para uma camada da população. Enquanto isso, os corpos que tombam regularmente na região amazônica e no Cerrado provam que enterrar político é uma de nossas mais amadas tradições.

Em “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, a filósofa Hanna Arendt conta a história da captura do carrasco nazista Adolf Eichmann, na Argentina, por agentes israelenses, e seu consequente julgamento. Ela, judia e alemã, chegou a ficar presa em um campo de concentração antes de conseguir fugir para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao contrário da descrição de um demônio que todos esperavam em seus relatos, originalmente produzidos para a revista New Yorker, o que ela viu foi um funcionário público medíocre e carreirista, que não refletia sobre suas ações e atividades e que repetia clichês. Ele não apresentava distúrbios mentais ou caráter doentio. Agia acreditando que, se cumprisse as ordens que lhe fossem dadas, seria reconhecido entre seus pares por isso.

A autora não quis com o texto, que acabou lhe rendendo ameaças, suavizar os resultados da ação de Eichmann, mas entendê-lo em um contexto maior. Ele não era o mal encarnado. Seria fácil pensar assim, aliás. Mas explicar que a maldade foi construída aos poucos, por influência de pessoas e diante da falta de crítica, ocupando espaço quando as instituições politicamente permitiram. O vazio de pensamento é o ambiente em que o “mal” se aconchega, abrindo espaço para a banalização da violência.

É assustador saber que alguém visto como “normal” e “comum” pode ser capaz, nos contextos histórico, político e institucional apropriados, tornar-se o que convencionamos chamar de monstro. Ou seja, os monstros são nossos vizinhos – aquela que empina pipa com sua filha, aquele que faz um ótimo churrasco, aquele que adora cuidar de roseiras.

Como sempre digo aqui neste espaço, líderes políticos, sociais ou religiosos afirmam que não incitam a violência através de suas palavras. Porém, se não são suas mãos que seguram o revólver, é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna o ato de atirar banal. Ou, melhor dizendo, “necessário”. Suas ações e regras redefinem o que é aceitável, visão que depois será consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, quase em uma missão divina.

Na prática, os envolvidos nesses casos colocam em prática o que leem todos os dias na rede e absorvem em outras mídias: que seus adversários político e ideológicos são a corja da sociedade e agem para corromper os valores morais, tornar a vida dos “cidadãos pagadores de impostos”, um inferno, e a cidade, um lixo. E, por isso, precisam ser mortos.

Nas redes sociais, comentaristas reais e perfis falsos defendem os que planejam contra a vida de Lula. Não conseguem se ver como pessoas balbuciando seu ódio e sua incapacidade de compreender e aceitar a existência da diferença e do outro. Pelo contrário, enxergam os agressores como “soldados” que estavam fazendo o bem pelo país.

Os dois casos acabam por justificar a proposta do governo federal de um projeto de lei organizado pelo Ministério da Justiça que estabelece penas de 20 a 40 anos a quem atente contra a vida de autoridades que fazem parte da cúpula da República. O fato de que os que chamaram o pacote de exagero e “Estado de exceção” serem os mesmos que estão, agora, defendendo os que incitaram ataques contra o presidente da República justifica o Pacote da Democracia.

Não importa quem começou. Isso é de responsabilidade de todos, agora, e todos devem dar um basta a isso. A discussão não é entre direita e esquerda, mas entre vida e morte. Antes que seja tarde demais. Porque, dependendo do que aconteça, não são apenas mortos e saudades que deixaremos pelo caminho. Mas o futuro do país.

Originalmente publicado no Uol

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