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Angela Davis visita Preta Ferreira e ouve canção composta pela ativista durante prisão. Por Cláudia Motta

Preta Ferreira recebeu Angela Davis ao lado da mãe, Carmem Ferreira: a força do feminismo negro. Foto: Reprodução de vídeo

Publicado originalmente no site Rede Brasil Atual (RBA)

POR CLÁUDIA MOTTA

A filósofa e ativista norte-americana Angela Davis já teria muito em comum com a liderança do Movimento dos Sem Teto do Centro (MTSC) Preta Ferreira, diante da luta que desenvolvem em defesa das mulheres negras, pobres, periféricas. Mas a prisão de Preta, em 24 de junho, trouxe às duas mais uma semelhança: a ativista norte-americana permaneceu 16 meses na cadeia, no início dos anos 1970, sob risco de pena de morte, aos 26 anos, acusada de crimes que jamais cometeu. Cantora e produtora cultural, Preta, de 36 anos, ficou presa por 109 dias e assim como Angela – que ganhou reconhecimento internacional após sua prisão –, saiu da penitenciária feminina de São Paulo ainda maior. E aguarda em liberdade o reconhecimento de sua inocência.

Foi isso que a jovem artista relatou a Angela Davis neste domingo (20), ao lado da mãe Carmem Ferreira, também líder do MTSC, Juntas receberam a ativista que logo na chegada anunciou: “Vim com uma questão, que é saber como posso ajudar”.

Em sua primeira passagem por São Paulo, Angela Davis fez questão de ir ao encontro de Preta e Carmen, proibidas de sair de casa aos finais de semana por medida cautelar, para ouvi-las e somar-se à luta pela sua inocência.

Preta cantou para Angela Davis uma música que compôs para as presas e que entoavam todas as noites para aquecer as almas e corações sofridos. “Era um hino nosso lá dentro”, contou Preta.

Em meio ao fluxo e refluxo da maré do meu destino
Eu lutei bravamente, num silêncio profundo
O medo que tentou me afogar no mar da solidão
Puxou a minha mão, pra outra direção
Gritei bem alto porque me calar nunca foi opção
Nas horas obscuras, a tristeza não perdura
Insista, resista, persista, não fuja, não desista
Tire força do além, olhe para o horizonte
Evolua sua mente, o caminho é pra frente
Nem toda essa tristeza é capaz de lhe parar
Coloque-se de pé, não perca sua fé!

“No presídio, li Uma Autobiografia e pensava que se Angela passou por tudo isso, resistiu e tornou-se o que é, eu também tenho que resistir”, disse Preta, emocionada.

“Angela é da mesma época de luta que eu. Enquanto eu resistia aqui no Brasil, ela resistia nos EUA”, completou Carmem.

Davis agradeceu a recepção e reforçou a importância de dar projeção ao caso. Participaram da visita as deputadas Erika Malunguinho e Isa Penna e também a cantora Maria Gadú, amiga pessoal da família.

Não há democracia

Preta Ferreira já havia sido mencionada por Angela Davis durante sua palestra A liberdade é uma luta constante, que encerrou no sábado (19). A ativista norte-americana falou a uma plateia lotada, no auditório Paulo Autran, do Sesc Pinheiros, encerrando o seminário internacional Democracia em Colapso. Que afinal, já pode ser escrito assim mesmo, sem o sinal de interrogação que acompanhava o nome do evento realizado entre os dias 15 e 19, numa parceria entre a editora Boitempo, o Sesc SP, e apoio da Rede Brasil Atual.

Após os cinco dias de debates que envolveram estudiosos, integrantes de movimentos sociais, contra o racismo e a homofobia, feministas, a conclusão é clara: a democracia não só está colapsada, como sequer pode ser plenamente realizada no sistema capitalista e excludente que ajuda a reproduzir.

Angela Davis lembrou de Marielle Franco, vereadora do Psol do Rio de Janeiro, assassinada em 14 de março de 2018, com quem disse aprender muito mais do que tem a ensinar. “Marielle sabia que a luta pela liberdade é constante e assim como os que a seguem”, disse, associando à liderança carioca, o nome de Preta Ferreira, que até então não conhecia.

Disse saber que Preta havia sido presa injustamente e que no momento de sua libertação ergueu o punho – marca dos Panteras Negras, onde se originou o ativismo de Angela. E assim como a lutadora de 75 anos, quando foi libertada, no último dia 10, a jovem destacou que o processo contra ela ensinou que, como mulher negra e ativista, não pode parar. “Devo prosseguir. Não é somente o movimento libertem Preta, mas todas as pretas.”

Para Angela Davis, todo mundo deveria reconhecer que querer mulheres negras livres é querer liberdade para todas as pessoas. “Não pode haver democracia sem a participação das mulheres negras. Elas representam todas as comunidades, negras, pobres, vítimas de exploração econômica, violência racial, repressão de gênero”, afirmou no sábado. “Quando as mulheres emergem, emergem conosco. A democracia que exclui as mulheres negras não é uma democracia de forma alguma. Vamos apoiá-las para que possamos trazer outras pessoas, nos juntar aos movimentos de base que realmente podem mudar o mundo.”

Hoje no Ibirapuera, quarta no Rio

O Auditório Ibirapuera abrirá suas portas para a área externa do parque, às 19h desta segunda-feira (21), para nova conferência de Angela Davis. A capacidade é de 15 mil pessoas. Os comentários serão da pesquisadora Raquel Barreto (prefaciadora da edição brasileira da autobiografia de Davis) e mediação de Christiane Gomes (Fundação Rosa Luxemburgo).

A filósofa encerra sua passagem pelo país na quarta-feira (23), no Rio de Janeiro. A organização informou, nesta segunda-feira (14), que a programação mudou. Está mantida a conferência aberta “A Liberdade é Uma Luta Constante”, às 19 horas, mas será no Cine Odeon, na abertura do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul: Brasil, África e outras Diásporas.

Esse é o maior evento audiovisual destinado para obras e realizadores negros da América Latina. Lá, Angela Davis fará ainda o lançamento de seu livro “Uma Autobiografia” e receberá a Medalha Tiradentes, concedida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, por iniciativa da deputada estadual Renata Souza (Psol).

No Rio, a parceria da Boitempo é com o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul e o Armazém da Utopia. Haverá telão para a Cinelândia e streaming.

Confira o registro dos Jornalistas Livres do encontro entre Angela Davis, Carmem e Preta Ferreira,

Diario do Centro do Mundo

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