Antipetismo de Ciro é ressentimento imaturo de quem se sentiu traído em 2018. Por Eugênio Aragão

Atualizado em 20 de maio de 2021 às 8:54
CIRO GOMES E LULA. FOTOS: EVARISTO SÁ/AFP E FILIPPO MONTEFORTE/AFP

Por Eugênio Aragão

Os ataques reiterados de Ciro Gomes ao ex-Presidente Lula só podem ser entendidos no contexto de uma derrota mal digerida. Até hoje, Ciro não aceita o acordo feito pelo PT e o PSB em 2018, que determinou a neutralidade do último nas eleições presidenciais e, com isso, esvaziou o esforço da campanha cirista de o trazer para seu campo. Não admite, em hipótese nenhuma, que sua derrota foi consequência de seus erros táticos, que advêm de antes da campanha de 2018.

Vamos deixar uma coisa muito clara: Ciro Gomes foi ministro tanto no governo do ex-Presidente Lula, quanto no da ex-Presidenta Dilma. Fez parte da construção do projeto de uma nação inclusiva e da consolidação do paradigma constitucional de 1988. Foi eficiente a ponto de merecer admiração de ambos os chefes de governo.

Mas a ambição o cegou. Ciro tinha condições de ter sido candidato a vice na chapa de Lula em 2018, antes de Haddad ter sido cogitado. Seria hoje provavelmente presidente. Ocorre que, no fatídico dia 7 de abril de 2018, achando que o PT, com a prisão do ex-Presidente, era carta fora do baralho, quis acenar para o campo antipetista com a célebre frase “não sou puxadinho do PT” e recusou solidariedade a um Lula injustiçado, que, em São Bernardo do Campo, era cercado por atores dos mais diversos partidos do campo progressista.

Ciro acreditou na eliminação de Lula da campanha de 2018 e imaginou que chegara sua hora com a desgraça alheia. Mas errou. Subestimou o peso político daquele que o trouxera para seu governo com admiração. Lula foi excluído das eleições, é verdade, contra tudo e contra todos, em flagrante desobediência a uma ordem do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU. Mas, com Haddad feito seu sucessor na chapa presidencial, foi ao segundo turno, só não vencendo por conta de uma campanha de mentiras disparadas em massa na Internet por seu adversário, o Capitão Jair Bolsonaro.

O antipetismo de Ciro foi um tiro no pé. Foi, muito mais, ressentimento imaturo de quem se julgou traído no jogo de alianças na campanha eleitoral. Só que, até nisso, errou: como poderia ser traído por quem via, já antes, como seu inimigo? Escolhera o PT como alvo de ataques para ser aceito pela direita do espectro partidário e esperava o que do PT? Que cedesse espaço na disputa política? Qual era o dever de solidariedade do PT para com Ciro, se Ciro publicamente declarou guerra ao PT? Ciro não foi traído. Ciro arrumou confusão e perdeu, é diferente.

Mas estamos, hoje, em 2021, a um ano de novas eleições presidenciais, em que o objetivo das forças democráticas é derrotar o Capitão Jair Bolsonaro, que promoveu a destruição do país, estimulou a disseminação da Covid-19 e se demonstrou uma ameaça às instituições republicanas. Lula, mesmo preso, fez vários acenos a Ciro Gomes. Sempre manteve um leal distanciamento dos ataques contra si desferidos por seu ex-ministro. Não aceitou provocações. Buscou a conciliação.

Ciro, porém, não quis entender os acenos ao diálogo e à união de esforços. Mantém-se ainda preso no ressentimento. E erra de novo.

A vida é feita de derrotas e vitórias. Fazem parte de nossa breve trajetória trôpega por este mundo. Ninguém escapa disso, do ciclo de erros e acertos. E cresce quem aprende com os erros. Não são as vitórias que forjam nossa resiliência. Essas vêm em decorrência de ingente esforço, numa corrida de obstáculos. Apenas coroam a resiliência, mas não a formam. É vitorioso quem sabe aceitar a derrota provisória, se levanta, sacode a poeira e continua lutando.

Está na hora de Ciro sacudir a poeira, superar a derrota passada e rever seus paradigmas. Valor para isso, ele indubitavelmente tem. Sua passagem pelos ministérios dos governos de Lula e Dilma são prova disso. Aceitar que errou e, só por isso, caiu, é não só um gesto de inteligência e grandeza, mas também pressuposto para vir a ser vitorioso e participar da reconstrução da democracia. Já manter-se no ressentimento é sua derrota definitiva, pois Lula, agora que foi reconhecida a injustiça das acusações contra si lançadas, continuará sua trajetória política e tem tudo para ser o vencedor de mais uma eleição a que vier se submeter, pois não ficou se lastimando e nem choramingando o passado. Lançou-se ao futuro, consciente de sua responsabilidade para com o país. E, indiferente para o latido dos cães, sua caravana passa.