Ao conspirarem contra Dilma, militares mostraram incapacidade para democracia. Por Fernando Brito

Atualizado em 7 de novembro de 2020 às 12:35
Foto: luisnassif.com

Originalmente publicado em TIJOLAÇO

Por Fernando Brito

As revelações dos encontros golpistas entre os comandantes militares e Michel Temer, confessados no livro biográfico “chapa-branca” do homem que usurpou o poder legítimo no país, impelem-nos a uma reflexão: a esquerda brasileira tinha, sobre os oficiais das Forças Armadas um conceito muito melhor do que aquele que, de fato, eles merecem.

A podridão em que mergulharam o país com a ditadura de 64 contaminou também toda a instituição militar, que se tornou incapaz, mesmo depois de três décadas de democracia, de conviver com a democracia e voltarem a compreender sua missão como a de proteger o país, e não a de tutelá-lo. E pior, como um tutor infiel, destes que visa, em primeiro lugar, seus próprios interesses.

Esta camada do oficialato, numa palavra, não presta sequer para seguir os princípios básicos da organização militar: lealdade, hierarquia e disciplina. Generais que, segundo o relato, vão procurar um vice-presidente para reclamar de seu comandante-em-chefe, a Presidente da República violam, de uma só vez, os três mandamentos de uma força militar.

Alegar que o Governo não investiu nas Forças Armadas, quando foi a administração petista que dotou o país de um programa de submarinos, um deles nuclear, de bilionários caças de 4ª geração (e com absorção de tecnologia), que partejou todos os programas de reequipamento e modernização em curso hoje é algo que ofende o bom senso de qualquer pessoa.

Ou será que prestigiar as Forças Armadas era comprar sucatas, como o porta-aviões São Paulo, uma banheira toda cheia de “gatilhos” ou receber sobras de tanques norte-americanos que iriam para o ferro-velho, como fez-se no governo FHC, que ainda por cima mandava a soldadesca para casa na hora do almoço para economizar no rancho?

A desculpa de que a Comissão da Verdade ativou ressentimentos e provocaria injustiça é outra deslavada mentira. Todos os que, de alguma forma, tiveram seu papel revelado pelos depoimentos que a Comissão tomou há décadas estavam afastados do serviço ativo, não eram líderes da corporação e nem sequer estavam em altos postos de comando. O próprio “idolatrado Brilhante Ustra era apenas um coronel e ninguém acusa o General Ernesto Geisel, que defenestrou-o junto com o comandante do então 2° Exército, General Ednardo Mello, pela morte sob tortura do operário Manoel Fiel Filho, em 1976.

A verdade é que o “coitadismo” dos militares serviu – e serve ainda – para um único tipo de ambição, já que deixaram de lado os arcaísmos de terem um projeto para o desenvolvimento do Brasil.

Estão longe de serem como os tenentes de 20/30, distantes dos generais nacionalistas dos anos 50 e, até mesmo, degraus abaixo dos golpistas de 1964, que ainda viam no Estado a ferramenta do desenvolvimento do país.

Tudo o que queriam era melhorar os soldos dos altos oficiais – vejam lá na reforma o que sobrou para os praças e suboficiais, nada – e repetir a experiência de “mamar nas tetas” estatais assim que baixados à reserva, como provam os seis mil cargos atualmente ocupados na administração federal.

Poucos são os que se recusam à humilhação que, a toda hora – todos vimos o general “quebra-galho” da Saúde ser publicamente esbofeteado e, em seguida, ir posar para fotos – os faz passar um tenente indisciplinado e fanfarrão. Os generais Maynard Santa Rosa e Carlos Alberto dos Santos Cruz foram raras exceções de dignidade.

O mal que esta gente fez às Forças Armadas em poucos anos é comparável ao que se fez nos 25 anos de ditadura.