Ao humilhar Salvini, região da Itália mostra que a luta contra o fascismo é nas ruas. Por Willy Delvalle

Atualizado em 28 de janeiro de 2020 às 9:22
Matteo Salvini. Foto: Reprodução

Na imprensa europeia, a foto escolhida de Matteo Salvini, o líder da extrema direita italiana, é a mesma: expressão atordoada, mãos sobre a barriga, ele saindo de cena.

Se uma boa parte do mundo está ansiosa para saber como derrotar forças neofascistas que parecem intocáveis, as últimas eleições regionais na Itália indicam um caminho. Foi a região de Emilia-Romagna, no centro-norte do país, que fez o até então imbatível sofrer uma humilhante e estrondosa derrota.

O chefe da Liga, partido de extrema direita italiano, decidiu se retirar da coalizão conflituosa da qual fazia parte no ano passado com o Movimento 5 Estrelas no governo da Itália. Apostava que voltaria ao poder pelas urnas, por meio de uma eleição antecipada.

Estava convicto da aclamação de um povo cansado de imigrantes e ávido por uma Itália grande de novo, uma Itália pura. Daquela saudade dos tempos de Mussolini.

Ao longo das três últimas semanas, o rei das redes sociais da Itália entrou num ritmo frenético de comícios pelo pais, mas a cereja do bolo era Emilia-Romagna, bastião da esquerda, que governa a região desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

À frente do partido que obteve 34% dos votos (primeiro lugar) nas últimas eleições parlamentares europeias, bem acima dos 22% do Partido Democrata (22%), Salvini escamoteou a candidata do seu próprio partido ao governo da Emilia-Romagna, Lucia Borgonzoni. Tomou a dianteira do palanque alucinado pelo poder. Disse que o partido iria arrasar e derrubar a esquerda pela primeira vez.

Subestimou o papel das “sardinhas”, resistência ao neofascismo nascida em meados de novembro do ano passado. Um movimento espontâneo de gente que não concorda e teme a ascensão da Liga, mas percebeu que o freio não viria dos partidos políticos.

O movimento decidiu ocupar as praças públicas do país e gritar em cada cidade: “aqui a Liga não chega”, “não queremos homens fortes, queremos uma humanidade forte”. Centenas de milhares de pessoas foram se apertando nas praças, como em uma lata de sardinha – daí o nome – reivindicando: solidariedade, acolhimento, respeito, direitos, inclusão, não violência e antifascismo.

A Itália que saiu às ruas foi uma Itália consciente de seu passado recente e do poder do corpo na esfera pública. Ela saiu às ruas para mostrar sua existência, corpos que de pé evidenciam a dimensão mais potente da política: existe uma nova humanidade construída depois do fascismo que não só não o aceita, mas que se pensa como uma só humanidade.

A participação do eleitorado de Emilia-Romagna, que tinha sido de aproximadamente 37% em 2014 saltou para 67% no último domingo.

Emilia-Romagna era o ponto-chave, o lugar que Salvini queria usar para dizer: vejam, o meu retorno é inevitável, até o bastião da esquerda aderiu ao nosso “movimento”. Mas a alucinação fálica do fascismo não é racional.

Governada pela esquerda, a Emilia-Romagna é uma das regiões europeias de economia mais dinâmica e empreendedora. É onde fica, por exemplo, a fábrica da Ferrari. Tem uma das maiores taxas de trabalho feminino na Itália e, em 2017, um das maiores índices de população ativa trabalhando, mais de 70% segundo dados oficiais, número promissor num país que vive o desemprego de massa.

Quanto às estratégias eleitorais, o governador atual, Stefano Bonaccini, focou em problemas locais concretos. E como observa Jerôme Gautheret, correspondente do jornal Le Monde em Roma, trocou as cores do Partido Democrata para o verde, “lembrando seu novo engajamento ecologista”. Deixou de lado discursos grandes discursos ideológicos. Ganhou com 51,4% dos votos, bem à frente da adversaria, que ficou com 43,6%.

Já faz um tempo que ouço italianos dizerem que esquerda de verdade é na Itália. Se é um discurso nacionalista ou não, fato é que vimos uma convergência política fazer um tirano disfarçado de “influencer” descer do palco com o rabo entre as pernas. Depois dessa, Salvini deverá deixar de lado a ideia de pedir eleições antecipadas. Ele não sairá de cena, mas ficará à espreita.

A estrela da vez foram as pessoas que decidiram tomar a rua em vez de assistirem bestializadas o Mal sorrir no Facebook e tirar selfie com xenófobo. Que as sardinhas não arrefeçam e sirvam de inspiração contra todos os bolsonaros que há pelo mundo.