Aos desabrigados do prédio do Paissandu só resta rezar para um Deus que os abandonou. Por Mauro Donato

Atualizado em 10 de maio de 2018 às 11:39
Guilherme Boulos na manifestação que começou na Sé por moradia aos desabrigados do Paissandu. Foto: Mauro Donato

Toda grande tragédia é a soma de uma variedade de pequenas negligências. Ontem ficamos sabendo de mais um fator determinante para o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida na semana passada, local de uma ocupação de sem-teto. Demorou, mas os bombeiros admitiram que a falta de pressão imposta pela Sabesp na rede há anos, acarretou em uma demora no combate ao fogo, o que levou a estrutura ao colapso.

“Não tem água em São Paulo durante a noite, a gente lamenta, mas é uma realidade”, disse o major Henguel Ricardo Pereira, que atuou na noite fatídica (atenção cidadão paulistano, qualquer incêndio durante as noites e madrugadas estão sujeitos a transformarem-se em catástrofes pela política da Sabesp desde a crise hídrica tucana).

Outra característica das tragédias é que, uma vez expostas as mazelas, elas tendem a receber atenção e solução de boa parte dos fatores causadores. Mas só de parte. Normalmente os aspectos técnicos são corrigidos e aprimorados. Os comportamentos costumam permanecer os mesmos assim como as indenizações e atenção do poder público viram novelas intermináveis.

Protesto por moradia aos desabrigados no largo do Paissandu. Foto: Mauro Donato

Ninguém duvida que depois do incêndio e desabamento do prédio, as autoridades farão esforços para mostrar serviço, irão obrigar a adequação do uso de extintores, rotas de fuga, etc, o lado técnico. Mas o problema central não está sendo combatido, nem minimamente citado pelas autoridades: a população que não tem onde morar. A falta de propostas e até de conhecimento do tema pelo poder público ficaram tão expostas quanto os abandonados na praça.

Com o problema escancarado, o governo adotou a estratégia de criminalizar as ocupações em vez de reconhecer, buscar soluções e amparar os necessitados. Largou-os ao relento. Isso ficou claro que aconteceria desde que, cada vez mais ciente do que estava por vir, a União, proprietária do imóvel, tratou de repassar o abacaxi para a prefeitura. Sabia que a bomba iria estourar.

“Lamentável não haver um atendimento rápido e pronto como a gravidade da tragédia exigia. Era necessário atender de imediato e que se propusesse solução de moradia e que essa tragédia levasse o poder publico a atender e requalificar as ocupações já existentes para moradias populares, mas estamos vendo o contrário”, declarou ao DCM Guilherme Boulos, coordenador do MTST.

Manifestação do MTST no largo do Paissandu. Foto: Mauro Donato

O governo Temer não quer reconhecer o problema da existência de milhares de miseráveis, pois isso contraria seu discurso de que o país e a economia estão crescendo. E não há perspectiva alguma de uma solução, sobretudo quando as ‘reformas’ do governo golpista só fazem aumentar a população que vive nessas condições. A parcela que precisa optar entre comer (e dar comida aos filhos) ou pagar aluguel. E sem emprego nem carteira assinada, obter empréstimo, crédito, fiador, ou mesmo um simples aceite do locador fica impossível. Por isso estamos assistindo ‘o contrário’, como disse Boulos. 

A estratégia passou a ser a de criminalizar os movimentos sociais por moradia. Em conjunto – pois governos federal, estadual e prefeitura nunca deram prioridade ao tema – estão servindo-se da tragédia para intensificar ainda mais o estigma em relação às pessoas que não possuem condição financeira de pagar (os valores de mercado) para morar. Gente que trabalha, mas não ganha o mínimo para sobreviver. E que subsistem abandonados.

Manifestação no largo do Paissandu. Foto: Mauro Donato

“O correto seria que o poder público colocasse aquelas pessoas até mesmo em hotéis, pois é isso o que aconteceria se fossem pessoas de classe média. Mas como são pessoas de ocupação, pobres, são tratadas como pessoas de décima classe. O local ali onde estão é insalubre, inalando a poeira da remoção do entulho e fumaça tóxica todo esse tempo, muitos já estão doentes. O Ministério Público que é tão ágil para criminalizar esses movimentos sociais, não tem a mesma agilidade para cobrar do governo do estado e do governo federal para atender as pessoas”, falou ao DCM Ariel de Castro Alves, do Conselho Estadual de Direitos Humanos. Juntamente com a Defensoria Pública, ele está questionando junto ao MP a omissão de todos. 

Os números de quantos imóveis vazios e quantas pessoas sem moradia possuem fontes diversas e, claro, resultados diversos. Citam-se levantamentos do Pnad, do IBGE, do Fórum Nacional de Reforma Urbana que só coleta dados de dez em dez anos (a última foi em 2010). Ninguém sabe ao certo quanto de cada um existe. Afinal, ninguém nunca quis saber e a tal Ponte para o Futuro de Michel Miguel e seus asseclas nem de longe tocava no tema. Pelo contrário, tão logo assumiu, Temer sepultou o Minha Casa Minha Vida. Agora está aí o vagalhão de sem-teto a bater na porta.

Protesto no largo do Paissandu. Foto: Mauro Donato

Abandonadas há mais de uma semana, aos sem-teto só resta rezar. Foi o que fizeram na noite de ontem. Um ato ecumênico realizado em frente ao Largo do Paissandu, onde estão acampados os desabrigados do edifício, sucedeu uma caminhada pelo centro da cidade que contou com diversos movimentos por moradia.

Sobrevivendo exclusivamente de doações da população, aqueles desafortunados comprovam que, a depender do poder público, ficarão ali muito tempo.