Apatia social: ninguém fez nada enquanto o ambulante Ruas era massacrado no metrô. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 27 de dezembro de 2016 às 16:20

 

As cenas do massacre do ambulante Luiz Carlos Ruas numa estação de metrô de São Paulo contêm um ingrediente perturbador extra: a inação dos circunstantes.

É evidente que a segurança falhou.

Mas e aquelas pessoas em volta? Por que nenhuma esboçou qualquer reação enquanto Ruas era chutado e socado na cabeça?

Os assassinos agiram livremente, como se estivessem num terreno baldio deserto. Atacaram em duas levas. Ao todo, foram aproximadamente três minutos de selvageria. Não foram incomodados.

O vídeo mostra homens e mulheres seguindo seu rumo, alguns fugindo da cena, outros olhando, uns mais curiosos que outros.

Em comum, a omissão.

Segundo a travesti Raíssa, os canalhas — identificados depois como Alípio Rogério Belo dos Santos, de 26 anos, e Ricardo Nascimento Martins, de 21 –, gritavam “vamos matar” enquanto a perseguiam.

Voltaram sua fúria para Ruas depois que ele tentou defendê-la. Não foram minimamente perturbados enquanto o matavam.

Não quero aqui julgar. Eram pitbulls evidentemente perigosos.

Mas isso explica tudo? Foi medo de apanhar? Ao menos 20 cidadãos aparecem nas imagens. Por que Ruas morreu sem que nenhum levantasse, que fosse, a voz?

Nós nos tornamos isso? Covardes?

Em 1964,  o homicídio da jovem Kitty Genovese, em Nova York, suscitou um debate que duraria décadas sobre a insensibilidade alheia.

A matéria do New York Times dizia o seguinte:

“Por mais de meia hora, no Queens, 38 cidadãos respeitáveis e cumpridores da lei testemunharam um assassino perseguir e esfaquear uma mulher em três ataques separados, em Kew Gardens. Por duas vezes, o som de suas vozes e o acender repentino das luzes de seus quartos o interromperam e afugentaram. A cada vez, ele retornava, procurava-a e a esfaqueava novamente. Nem uma pessoa sequer telefonou à polícia durante o ataque; uma testemunha ligou para a polícia depois que a mulher estava morta. (…) Kitty morreu sozinha em uma escadaria, onde não mais conseguiu escapar de seu assassino enlouquecido”.

 

A história suscitou infindáveis especulações. Em 2007, um professor de Stanford chamado Philip Zimbardo abordou a tragédia de Kitty, entre outras, num livro chamado ‘The Luficer Effect: Understanding How Good People Turn Evil”.

Para ele, o autoconhecimento humano está restrito às situações cotidianas, aquelas em que acreditamos ter o domínio e às quais estamos habilitados a resolver.

Para situações novas, não dispomos de ferramentas. “O seu eu antigo pode não funcionar como esperado quando as regras básicas se modificam”, escreve.

Ruas foi trucidado pelos brutamontes que, flagrados pelas câmeras, pagarão pelo crime na Justiça. Mas também foi vítima de uma invencível apatia social.