Publicado originalmente na Ponte:
Por Arthur Stabile e Paulo Eduardo Dias
“Não sei nem o que eu estou sentindo”, resume Gabriel Apolinário Ribeiro, 18 anos, estudante negro preso por tráfico, ao deixar o CDP (Centro de Detenção Provisória) I de Osasco, localizado na Grande SP, na tarde desta sexta-feira. Demorou 59 dias até a Justiça determinar sua liberdade depois que PMs o acusaram, no dia 18 de julho, de estar com uma mochila cheia de drogas. Gabriel nega o crime, enquanto sua família alega que os policiais plantaram a mochila com o produto ilícito.
Os abraços se repetiam depois de o jovem negro caminhar cerca de 500 metros até onde seus familiares o esperavam com ansiedade. A mãe, Danila Apolinário Gonçalves, 33 anos, foi uma das primeiras pessoas a abraçá-lo, após somente o pai. Nem mesmo Gabriel sabia que deixaria a prisão hoje.
“Fiquei sabendo agora. Estava na cela, já tinha passado a contagem. Fiquei esperando a boia (comida) e [os presos] disseram: ‘olha ela, a liberdade’”, descreveu. Perguntado como imagina os dias daqui por diante, não pensa duas vezes: “Continuar minha vida”.
A decisão de soltá-lo partiu do STJ (Superior Tribunal de Justiça), através do ministro Sebastião Reis Júnior. Para ele, o encarceramento soa “desproporcional” diante das circunstâncias da prisão. Júnior considerou que a quantidade de drogas (448,8 g de cocaína, 2,9 g de crack e 31,8 g de maconha), “por si só, não evidencia se tratar de tráfico de grandes proporções e nem denota periculosidade exacerbada do paciente”.
O ministro complementa sua argumentação com o fato de o estudante nunca ter respondido processos criminais e cita a decisão de primeira instância, na qual consta que Gabriel não teria residência fixa ou trabalho lícito. A juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli decretou a prisão preventiva.
Estes pontos são rebatidos pela defesa do jovem com comprovantes de residência, além de outros documentos, como cópias de cartões de créditos, páginas de carteira de trabalho e declarações de seus antigos trabalhos. O STJ não cita estes documentos na liberdade.
O ministro determinou a liberdade na quinta-feira (10/9) e Gabriel deixou o CDP (Centro de Detenção Provisória) Belém II, na zona leste da capital na tarde desta sexta-feira (11/9).
Com a liberdade, o estudante seguirá respondendo ao processo. O STJ determinou uma série de restrições a serem seguidas: comparecimento em juízo, não poder deixar a comarca sem autorização judicial e ficar em casa depois das 22h.
A família de Gabriel é só comemoração. “Agora a justiça foi feita”, define a mãe, Danila, que conversou com a Ponte antes do jovem ser libertado. “Realmente analisaram o caso como deveria ter feito desdo começo. Analisaram tudo e viram que meu filho não tem perfil para o que acusaram ele”, continua.
Procurado pela reportagem o advogado Bruno Borragine, sócio do Bialski Advogados, que representa os interesses do jovem, afirmou que “a liminar do STJ é justa e veio em boa hora, já que as instâncias que primeiro analisaram o caso não observaram que Gabriel possui predicados que não justificariam a sua manutenção no cárcere”.
Além disso o advogado afirmou que “o caso é recheado por um um coletivo de provas que demonstrarão a inocência de Gabriel, e colocarão em xeque a atuação dos policiais no momento de sua abordagem”.
Segundo o advogado, com a apresentação da resposta escrita no processo, as provas “serão, todas, apresentadas e uma série de diligências serão requeridas para confirmar que o jovem estudante não estava traficando entorpecentes quando foi abordado pelos dois policiais militares”.
Como aconteceu a prisão
No dia 18 de julho deste ano, Gabriel saiu de casa na rua José Manoel Camisa Nova, no Jardim São Luís, zona sul da cidade de São Paulo. Era manhã, por volta de 11h30, quando acabou abordado por policiais. Ele garante que isso ocorreu em frente ao condomínio em que mora.
Os PMs Alex Bezerra da Silva e Hermes Vicente Ferreira Neto, ambos da 2ª Companhia do 1° Batalhão, dão outra versão: de que patrulhavam a rua Nova Tuparoquera quando receberam denúncia de tráfico. O local seria “bem conhecido pelos milicianos de reiterada traficância”.
A distância de um local para o outro é de quase 2 quilômetros.
Na rua apontada pelos policiais, eles descrevem terem abordado inicialmente um homem, chamado Marcelo, e depois Gabriel. Em um primeiro momento, o estudante negou ser traficante, mas, ainda de acordo com a versão oficial, ele confessou o crime depois.
Os PMs apresentaram uma mochila com drogas no 92º DP (parque Santo Antônio) e disseram tê-la encontrado com Gabriel. Seriam 208 papelotes com cocaína, 487 supositórios também com cocaína, 20 invólucros plásticos contendo maconha.
O delegado Victor Vendramini Langerhorst assina o registro da ocorrência que determina a prisão de ambos. Um trecho do documento reitera que, embora Gabriel tenha negado o crime de tráfico, pouco tempo depois teria admitido. “Logo em seguida afirmou que realmente traficava drogas nas cercanias por estar desempregado e precisar de dinheiro”.
Gabriel escreveu uma carta de dentro do CDP do Belém. Nela, garante ser vítima. “Oi, mãe. Estou bem. Reza por mim. Eu não estava traficando. Obrigado por se preocupar. Só penso em vocês aí fora. Amo vocês”, escreve, ao se defender para sua mãe.
Danila Apolinário luta para inocentar de vez seu filho. No dia 8 de agosto, puxou um protesto pelo Jardim São Luís para cobrar a libertação do estudante e conscientizar o bairro da ação feita pelos PMs.
“Como o promotor diz que tem indícios de prova se não teve investigação, se só foi usada a palavra dos policiais? Meu filho foi forjado”, dispara a mulher, sobre a denúncia da promotora Ana Luisa de Oliveira Nazar de Arruda.
Ao analisar o caso, ela concordou com a prisão de Gabriel e Marcelo. Em uma parte, diz que “o crime em questão, apesar de ser cometido sem violência ou grave ameaça, é delito que vem ocorrendo com frequência no estado de São Paulo, tirando o sossego de toda a sociedade honesta e trabalhadora”.
Amigos criaram uma campanha no site change.org para cobrar a libertação do estudante de marketing da universidade Unip. Mais de 13.900 pessoas assinaram o pedido até a tarde desta sexta-feira (11/9).
A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública sobre a liberdade de Gabriel Apolinário e aguarda um posicionamento. A reportagem questionou se os PMs envolvidos na ação seguem em trabalho de rua e solicitou entrevista com a dupla que o prendeu.