Craig Coyner, membro de uma das famílias mais proeminentes de Bend, no estado de Oregon, na costa oeste dos Estados Unidos, teve uma carreira aclamada como promotor, advogado de defesa e depois prefeito. O político, que ajudou a colocar a cidade na lista das que mais cresciam no país, morreu sem um teto. Com informações da Folha de S.Paulo.
Depois de uma vida como pilar do civismo em Bend, Coyner chegou a um ponto de miséria quase total, cercado pela prosperidade que ajudou a criar.
Aos 75 anos, Coyner ocupava uma cama num abrigo na Second Street após perder sua casa para uma dívida hipotecária. Tinha os dedos corroídos por congelamento e seus pertences limitados a uma banheira de roupas esfarrapadas e livros.
O político foi puxado pelo redemoinho de problemas que atingiu muitas cidades prósperas do oeste: doença mental não tratada, vício generalizado, custos crescentes de moradia e um senso de comunidade cada vez menor.
Outrora uma pequena cidade madeireira, Bend passou por uma transformação impressionante nas últimas décadas, quando endinheirados descobriram o local. Os custos sobrecarregaram os orçamentos de enfermeiras, professores e policiais, e a falta de moradia disparou no município de 100 mil habitantes. O abrigo onde Coyner encontrou refúgio estava lotado havia meses.
O ex-prefeito nasceu em uma família comprometida com o dever cívico. No início dos anos 1900, seu bisavô era prefeito de Bend. Em pouco tempo, uma comunidade conhecida como um lugar para vadear o rio virou uma escala importante numa rede ferroviária crescente. Algumas das maiores usinas de pinho do mundo processavam toras tão grandes que algumas precisavam ser divididas com a ajuda de uma dinamite.
Em meados da década de 1970, depois de ser convocado para um serviço nos fuzileiros navais, casar-se com sua namorada da faculdade e se formar em direito em Portland, Coyner voltou para Bend, seguindo seu pai em uma carreira como advogado e se estabelecendo numa modesta casa térrea, comprada por US$ 25.500 no canto nordeste da cidade.
O casal teve duas filhas, mas se separou alguns anos depois. Em 1981, Coyner ingressou na Câmara Municipal. Ele se casou com Patty Davis, que trabalhava vendendo anúncios de rádio na cidade e, como sua ex-mulher também se casou novamente, ele parou de se relacionar com as filhas.
Em 1984, tornou-se prefeito. Foi uma época tumultuada na cidade: a recessão global destruiu a indústria madeireira, enquanto moradores temiam que a comunidade estivesse se tornando uma cidade fantasma, e pessoas sem-teto se reuniam ao longo da ferrovia que ajudou a estabelecer Bend como a capital madeireira.
Coyner trabalhou para arrecadar fundos para eles, às vezes indo pessoalmente até os trilhos para distribuir roupas doadas e lanches de US$ 0,19. Suas conexões ajudaram as pessoas a encontrar lugares baratos para morar, numa época em que quartos podiam ser alugados por apenas US$ 75 ao mês
O então prefeito viu nisso um momento de transição de Bend, que passaria a aproveitar de novas maneiras a beleza natural ao redor, recebendo visitantes para esquiar, fazer trilhas, acampar e andar de bicicleta.
Após ser destituído, em 1992, da Câmara Municipal por rivais que buscavam conter seu crescimento, Coyner voltou a trabalhar como advogado de defesa.
Conhecido por ser um profissional gentil e inteligente, que se dava bem com juízes e clientes, o ex-prefeito se tornou uma pessoa cáustica nos últimos anos, segundo Tom Crabtree, chefe de gabinete do então defensor público.
Certo dia, quando um juiz o retirou de um caso, a explosão surpreendente do advogado no tribunal levou Crabtree a decidir que era hora de demitir Coyner, que reagiu com uma ameaça de morte, segundo ele.
O problema na verdade era um transtorno bipolar inicial, disse Coyner, agravado pela bebida alcoólica.
No dia seguinte ao Dia de Ação de Graças de 2003, alguns anos depois de perder o emprego, Coyner foi preso acusado de danificar o carro de uma mulher e resistir à ordem de um policial. Então, em 2008, veio o pior golpe de todos: sua esposa, Patty, morreu após uma doença.
Nesta época, outras pessoas já haviam se afastado – não apenas suas filhas, mas também sua irmã, que começou a se distanciar quando telefonemas bêbados durante a madrugada se tornaram abusivos.
No outono passado, enquanto as temperaturas noturnas caíam abaixo de zero, Frankie Smalley, um amigo sem-teto, caminhou pela cidade para localizar Coyner e se deparou com uma barraca amarela perto de um Walmart. “Ei, Craig, está aí?”, gritou. Ouviu uma voz lá e puxou a aba da barraca.
Os sapatos de Coyner estavam encharcados, e seus pés, tão queimados pelo gelo que ele mancou de dor quando tentou se levantar.
No hospital, foi tratado por congelamento e logo recebeu alta para o novo abrigo de baixo custo da cidade. O acidente danificou tanto os dedos dos pés que ele teve que voltar ao hospital no final de janeiro para uma amputação, que teve complicações. Após a cirurgia, sofreu um derrame que o deixou incapaz de falar.
Dias depois, em 14 de fevereiro, Coyner morreu.