Após ser flagrada furtando merenda, diretora bolsonarista é acusada de vendê-la

Atualizado em 15 de dezembro de 2025 às 17:46
Lucelene Segat da Costa

Em novembro, o DCM publicou reportagem denunciando a diretora Lucilene Segat da Costa, da Escola Zeferino Demétrio Costi, em Passo Fundo, no norte do Rio Grande do Sul, por furto de merenda escolar.

À época, um vídeo obtido pela reportagem mostrou a diretora e seu marido, Adriano da Costa, chegando à instituição após o término do turno escolar, cobrindo uma das câmeras de segurança com uma toalha de mesa. Em seguida, o casal foi flagrado por outro ponto do circuito interno retirando itens do freezer da escola e deixando o local com sacolas cheias.

A defesa da diretora alegou que o casal esteve na escola para realizar um reparo no freezer, que a câmera teria sido coberta para protegê-la da solda utilizada e que os alimentos retirados eram bananas excessivamente maduras, que seriam descartadas e, por isso, levadas para doação.

A versão foi contestada pelo depoimento do cozinheiro Rafael Dorneles à Comissão de Processo Administrativo Disciplinar da prefeitura. No relato obtido pelo DCM, Rafael afirmou que a vice-diretora, Lissandra Silveira, mostrou a ele o vídeo que integra a reportagem do DCM e o questionou sobre o episódio.

Segundo o cozinheiro, o freezer é novo, está na escola desde a metade do ano e não necessitava de reparos, além de possuir cadeado. Ele também relatou que, sempre que o marido da diretora realizou algum tipo de manutenção na escola, isso ocorreu durante o horário regular de expediente, e nunca fora do turno escolar.

Rafael afirmou ainda que, após o ocorrido, a vice-diretora esteve na cozinha verificando a ausência de alimentos e confirmou que os itens retirados eram carne bovina e frango, e não bananas, como sustentou a defesa da diretora. Segundo o depoimento, Lissandra questiona com frequência a falta de alimentos e chegou a orientar que fosse feita uma solicitação maior de insumos à Prefeitura no mês seguinte para compensar o desaparecimento dos produtos.

O cozinheiro também declarou que as bananas maduras haviam sido utilizadas antes do episódio, na produção de vitaminas para os alunos, conforme orientação recebida por e-mail. Por fim, afirmou que a diretora leva recorrentemente alimentos da escola em seu carro, alegando que seriam destinados a “doações”.

Na última sexta-feira (12), Lucelene Segat da Costa voltou a ser alvo de denúncias, desta vez por venda irregular de merenda escolar. Segundo relatos, a diretora organizou a distribuição de cachorro-quente aos alunos, cobrando R$ 10 por um combo que incluía um copo de refrigerante.

De acordo com versão apresentada por ela a funcionários, a cobrança teria como objetivo custear presentes de Natal para professores, prestadores de serviço e monitores da escola. No entanto, os pães utilizados na iniciativa eram fornecidos pela Prefeitura de Passo Fundo especificamente para a merenda escolar e não podem ser comercializados.

Uma denúncia anônima à Secretaria Municipal de Educação levou uma equipe composta por quatro nutricionistas à escola, onde foi realizado o flagrante. A diretora negou a acusação e afirmou ter comprado os pães em uma padaria próxima. Durante a fiscalização, porém, as nutricionistas encontraram 15 embalagens, nas quais se acondicionam 120 pães, todas com logomarca da prefeitura, descartadas no lixo da cozinha.

As embalagens foram recolhidas como prova e anexadas ao procedimento administrativo. O registro foi feito em ata, e o caso já tramita da Secretaria Municipal de Educação para a Procuradoria-Geral do Município.

Durante a abordagem das nutricionistas, a diretora se ausentou da escola e foi até uma padaria, alegando que buscaria as notas fiscais referentes à compra de 60 pães, que teria esquecido. No entanto, segundo relatos, enquanto ela se deslocava até o local, as nutricionistas entraram em contato com a padaria onde, segundo a versão apresentada, os pães teriam sido adquiridos. O estabelecimento negou a realização de qualquer venda dos produtos mencionados.

 

O evento oficial em que Lucelene será homenageada após ser flagrada roubando merenda

Em contato com a reportagem, a coordenadora de Administração e Planejamento da Secretaria de Educação, Nisiane Telles, confirmou a operação de fiscalização e afirmou que a situação está sendo apurada.

“Não temos nada a acrescentar neste momento, apenas que o encaminhamento legal está sendo feito e que as medidas cabíveis serão tomadas”, disse.

De acordo com pessoas da comunidade escolar, não é incomum que a diretora organize eventos semelhantes, com cobrança por alimentos que deveriam ser distribuídos como merenda.

Procurada, a defesa da diretora afirmou que tudo ocorreu dentro da normalidade. Segundo a nota, os pães e demais insumos teriam sido comprados e haveria notas fiscais comprovando a aquisição.

“A venda de cachorro-quente realizada na semana passada foi totalmente legal. Os pães utilizados foram comprados em uma padaria e a nota foi apresentada à Prefeitura durante a fiscalização. Houve uma denúncia anônima, como ocorre em qualquer escola, e a Prefeitura apenas cumpriu seu dever de averiguar. Todos os demais itens do lanche não são fornecidos pela Prefeitura, logo, tudo foi comprado. A venda foi organizada pela APP para a compra de mimos de Natal para alunos, professores, funcionários e monitores. Não houve utilização de mantimentos fornecidos pelo município”, diz a nota.

Integrantes da comunidade escolar — professores, pais e alunos — relatam medo de denunciar os episódios envolvendo a direção da Escola Zeferino. Segundo eles, há relatos de retaliações, ameaças veladas e tentativas de identificar a origem das denúncias anônimas, tanto no caso atual quanto no anterior.

Na reportagem publicada em novembro, já havia acusações de que a diretora seria blindada pela administração municipal, por sua militância em causas políticas ligadas ao prefeito Pedro Almeida (PSD) e ao secretário municipal de Educação, Adriano Canabarro. Procurado à época, Canabarro afirmou apenas que os procedimentos seriam adotados. Desta vez, ele não respondeu aos contatos da reportagem.

Mesmo diante das denúncias e investigações em curso, Lucelene Segat da Costa será homenageada pela Secretaria Municipal de Educação nesta terça-feira (16), durante solenidade intitulada “Noite de Reconhecimento da Rede Municipal”.

A diretora será agraciada por seu suposto “trabalho de liderança” à frente da escola.

Thiago Suman
Jornalista com atuação em rádio, TV, impresso e online. É correspondente do Daily Mail, da Inglaterra, apresentador do DCMTV e professor de filosofia e sociologia, além de roteirista de cinema e compositor musical premiado em festivais no Brasil e no mundo