Aprender a lidar com a morte amorosa é uma das maiores conquistas que alguém pode fazer na vida

Atualizado em 13 de janeiro de 2015 às 0:02
Lichtenstein
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Existe uma passagem num livro do Machado de Assis que acho maravilhosa. (É de Memórias Póstumas de Brás Cubas, se não me engano. Mas atenção: posso estar enganado. A verdade que estar enganado tem sido um dos eventos mais freqüentes de minha vida.)

A cena é a seguinte. O protagonista encontra um bilhete. Era para marcar um encontro clandestino. Quem o mandara fora a mulher casada com quem ele mantinha um caso. O caso, tórrido no início, vinha lentamente morrendo. Ao ver o bilhete, seu coração disparou. Como no começo. Mas depois ele verificou que se tratava de um bilhete velho. E então que o sobressalto excitado cedeu lugar à melancolia nostálgica. Aquele amor estava perdido, para sempre perdido.

A cena machadiana é, para mim, o retrato perfeito das estações inexoráveis que um caso de amor percorre. Existe um tempo de nascer e um tempo de morrer. Existe um tempo de florescer e um tempo de declinar. Isso está escrito, de um forma muito mais bela, num dos pedaços mais sábios da Bíblia, o Eclesiastes. Há um tempo para tudo. (Quem me deu esse capítulo bíblico para ler foi meu Tio Fabio, um homem sábio do interior. Eu estava arrasado com o fim de um namoro e ele me disse: “Lendo isso você vai aprender que há um tempo para rir e um tempo para chorar. E também que, a rigor, não há nada de novo sob o céu”. Para mim, Tio Fabio é um homem tão sábio quanto o Eclesiastes.)

Mas o que eu queria mesmo dizer é que, também para o amor, existe um tempo para nascer e um tempo para morrer. É muito mais fácil identificar a primeira etapa do que a Segunda. E é também muito mais fácil de lidar com a primeira. O surgimento do amor arrebata. É uma explosão tão poderosa que não há como não perceber, por mais distraído, por mais insensível que você seja. Você acha graça até num congestionamento. (E então me ocorre que amar pode ser perfeitamente definido como a capacidade de achar graça num congestionamento.) Você descobre que, pensando bem, seu chefe horroroso até que tem seu pontos positivos. Isso quer dizer que você está amando.

Essa é a parte bonita: o nascimento do amor. A parte dura é a outra: o tempo de morrer. Você não quer acreditar. Você finge que tudo é igual. Você pratica a forma suprema da mentira: mente para você mesmo. Era para sempre, não era? E quando enfim você admite interiormente que o amor morreu, a dor é tanta, tanta que você resiste pateticamente a dar curso prático a essa admissão e terminar o caso. E então o que se vê são finais dolorosos de amores que morreram já há um bom tempo. Finais cruéis. Cruéis como… sei lá, cruéis como um velho cossaco russo, como diz meu Tio Fabio.

Num mundo perfeito, os braços se desenlaçariam em despedidas supremas (essa linda expressão não é minha. É da Eça de Queiroz. Estou citando muito?) tão logo fosse percebida a morte do amor. Mas o mundo está longe de ser perfeito. E então se prolonga um situação de miséria em que tudo que se consegue é um ferir o outro. Em que não se ganha nada senão mágoa e ódio.

Tempo de morrer. Todos nós lutamos em vão contra o tempo de morrer quando o que está em jogo é o amor. Aprender a lidar com a morte amorosa é uma das maiores conquistas que alguém pode fazer na vida. Tolamente recusamos até o fim – na verdade até depois do fim – a idéia de que nosso amor partiu para a sinistro reino do nunca mais, nunca mais, nunca mais.