A realidade bate à porta e trabalhadores informais ainda não sabem como sobreviverão na quarentena. Por Caique Lima

Atualizado em 31 de março de 2020 às 0:09
A Uber anunciou recentemente que pagará os motoristas afetados pela quarentena um valor que considera a média dos últimos seis meses. Foto: Divulgação

“O que nos causa apreensão é não ter uma segurança pra pagar as contas”, é o que diz Maxwel Medeiros, motorista de aplicativo que viu suas corridas diminuírem de 25 por dia para 5 no início da crise do coronavírus.

Por conta da quarentena, ele não está trabalhando, e a esposa e o filho dependem exclusivamente de sua renda.

“Minha situação é de desespero, parei de trabalhar pra não me contagiar e também proteger a minha família. Vai prejudicar muito a minha vida. Tenho filho pra criar e meu maior medo é não ter dinheiro pra comprar comida”.

Nessa situação, Maxwel tenta, sem sucesso, conseguir empréstimos em bancos e pedir dinheiro emprestado aos amigos para tentar “segurar por três meses”.

Enquanto isso, as contas batem na porta e ele tenta renegociar suas dívidas, também sem sucesso.

“A sociedade não vê um movimento do governo em subsidiar as contas básicas”, reclama.

O Ifood anunciou um fundo para entregadores com a média dos últimos 30 dias e, para os restaurantes maior lucro por pedido, melhorar fluxo de caixa e minimizar impacto da queda de fluxo ou fechamento de salões/ Foto: Divulgação

Maxwel não está sozinho no grupo de prejudicados pela pandemia do coronavírus, Saulo Campanharo possui um restaurante com a família e, por conta da quarentena, teve de adaptar o negócio para entrega e retirada de comida no local.

Ele conta que a falta do “movimento de salão” prejudica sua renda. Além disso, prevê uma queda da demanda empresarial, pois seu negócio presta atendimento a empresas que também estão de quarentena.

Por sorte, o jovem possui uma segunda atividade remunerada: trabalha num escritório autônomo de cobranças. Mas essa atividade também foi prejudicada pela crise.

“Economicamente falando, é complicado. Afinal, tirei uma renda a mais. Confesso que vai apertar o orçamento e, com a crise do dólar, os produtos ficam mais caros”, diz.

Desesperançoso com o governo, Saulo agradece ao Ifood pela assistência dada “para ajudar os comerciantes menores a sobreviver a essa situação”.

Já Maxwel tenta depositar alguma esperança no Estado:

“Quem sabe o governo olhe com mais carinho para o povo”.

“Essas pessoas estão completamente desassistidas”, de acordo com Rogerio Tineu, que é Bacharel em Ciências Econômicas e Doutor em Ciências Sociais.

“A equipe econômica ainda está atrapalhada nas medidas, eles não têm um plano claro”, afirma.

Segundo o IBGE, 38 milhões de brasileiros estão na situação de Maxwel e Saulo.

O Senado aprovou nesta segunda-feira a concessão de um voucher de R$ 600 mensais para os próximos três meses. É três vezes mais o que Paulo Guedes anunciou há cerca de duas semanas.

Para Tineu, a proposta anterior, de R$200, não daria para resolver a vida de ninguém. “É estado de indigência, é a linha de miserabilidade. Tecnicamente, a equipe econômica está pensando que o crédito sai dos bancos. Então, se um banco quebra, ele pode levar todo o sistema de crédito a uma bancarrota. Mas é desproporcional”. 

Com R$ 600, ainda não será possível fazer frente às despesas da maior parte dos trabalhadores informais.

Tineu ainda reprova a MP 927, também chamada de “MP da morte”, que, por conta de críticas, teve um item revogado por Bolsonaro logo após ser anunciado. Os patrões poderiam pagar qualquer quantia para funcionário durante o período da quarentena.

“Essa suspensão de contrato de trabalho privilegia somente o empregador. Não estou indo contra o empregador, claro que você precisa manter essas empresas, mas não às custas do trabalhador. Aí que deveria ter um programa do governo de compensar essa perda salarial”.

Evidentemente, o governo está mais preocupado com os empresários do que com o povo, vide a fala de Guedes, que desaprova a quarentena porque “se fica todo mundo em casa, trava a economia toda”.

No entanto, ele se esquece que o consumo das famílias é o grande motor da economia e representa 65% da composição do PIB.

Por isso, Tineu defende a assistência dos profissionais autônomos, informais e do pequeno empreendedor: 

“O governo brasileiro está olhando o lado do empresário, mas ele está se esquecendo de gerar uma renda para que essa economia não pare por completo”.