Aras pode desapontar quem o vê como Brindeiro de Bolsonaro. Por Moisés Mendes

Atualizado em 3 de junho de 2020 às 6:51
Augusto Aras e Jair Bolsonaro. Foto: Leonardo Prado/PGR

Publicado originalmente no blog do autor

O procurador-geral pode ser o próximo a desapontar as expectativas de Bolsonaro. Augusto Aras talvez se apresente, já nos próximos dias, como mais um caso exemplar de quem se curva ao que alguém definiu um dia como o peso da toga.

Aras não é juiz, é o chefe do Ministério Público, mas o peso da toga vale para todos os que fazem parte do sistema de Justiça.

Se a toga pesar, Aras pode frustrar os que o identificam como o Geraldo Brindeiro de Bolsonaro, repetindo o que o engavetador fez sistematicamente no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Bolsonaro deixou Aras em muitas situações constrangedoras, desde a visita de surpresa à Procuradoria-Geral da República, no dia 25 de maio, na posse de um subprocurador. O que ele foi fazer lá?

Depois, no dia 28, disse que Aras seria um bom nome para o Supremo: “Se aparecer uma terceira vaga, espero que ninguém ali desapareça, mas o Augusto Aras entra forte para essa vaga aí”.

Esta semana, Bolsonaro disse acreditar no “arquivamento natural” do inquérito em que é investigado pela PGR por suspeita de interferência na Polícia Federal.

Aras já comentou os dois casos, e a resposta a ambos foi de constrangimento. Bolsonaro cometeu barbeiragens políticas que podem ser decisivas para o que acontecerá a partir de agora.

As apostas são de que Aras vá de fato engavetar o caso da Polícia Federal. Mas e se a toga pesar?

O procurador já atendeu ao pedido da PF e encaminhou sua deliberação ao Supremo no sentido de que Bolsonaro seja ouvido no inquérito sobre suas relações estranhas com gente da própria PF.

Na entrevista que deu a Pedro Bial na Globo, o procurador largou uma frase em que expõe seu dilema diante das pressões e insinuações de Bolsonaro, de um lado, e as posições dos próprios procuradores, de outro. Aras disse:

“Se eu não tenho condições de controlar os meus colegas da primeira instância, que ousam contra as minhas posições e gritam todo dia que têm independência funcional, imagine se eu ou qualquer outra autoridade possa controlar o que diz o senhor presidente.”

Ele não estava dizendo que é impossível querer controlar as ideias malucas de Bolsonaro. Isso todo mundo sabe.

O que vale é a primeira parte, a parte do desabafo. O que ele disse mesmo, na carona de sua declaração de cordialidade a Bolsonaro, foi que não há como controlar procuradores inquietos, que de alguma forma também são atingidos pela suspeita de que tudo pode ser engavetado no governo Bolsonaro, como acontecia no governo de FH.

O procurador-geral sente o peso da pressão interna e também dos paramentos e das liturgias. A toga, no sentido de vestir a armadura, de finalmente sentir a investidura no cargo, e o compromisso com o que tudo isso representa, vai pesar.

E aí veremos se Bolsonaro terá motivos para se desentender com Augusto Aras, ou se o procurador será apenas mais um na PGR, como foi Raquel Dodge.

Ontem, Aras teve de retificar o que havia dito no programa do Bial sobre a possibilidade de intervenção das Forças Armadas, quando – segundo ele – um poder invade a competência de outro.

Largou uma nota para esclarecer que “a Constituição não admite intervenção militar”. Na entrevista, parece ter tentado fazer média com os militares.

Mas teve de recuar, diante da reação dos juristas e da OAB. Vai ser dura a vida de Aras na PGR.

INTIMAÇÃO

Todo manifesto funciona agora com se fosse uma ordem sumária do tipo ‘assina aqui embaixo’.

Parte da esquerda estava mesmo sem ter o que fazer e aceitou ser uma espécie de mandalete dos manifestos compulsórios.

A coisa está na base do ‘não pergunta nada e assina logo’. Tem gente que virou oficial Justiça dos tucanos ressuscitados.

É uma intimação. Quem não assina fica marcado e ainda é convocado a dar explicações, como estão fazendo com Lula.