Argentinos protestam em solidariedade aos chilenos que lutam por justiça social. Por Joaquim de Carvalho, de Buenos Aires

Atualizado em 21 de outubro de 2019 às 23:50
Pilar protesta em Buenos Aires, em apoio aos chilenos

Duas chilenas que encontrei hoje em Buenos Aires reagiram de maneira oposta aos protestos que sacodem o Chile. Uma delas, rica, dona de uma fábrica de sapatos, decidiu adiar seu retorno ao país. “Há saques e os distúrbios tornaram muito perigoso meu país. Vou ficar por aqui, que é mais seguro”, afirmou Francisca.

Mal ela sabia que, a 500 metros do restaurante onde se encontrava, manifestantes argentinos e chilenos realizavam protestos na cidade que ela vê como refúgio. A estudante Pilar, também chilena, fazia parte da multidão em frente ao Consulado do Chile.

Pilar segurava uma bandeira com a geometria do estandarte chileno, só que com outras cores. Em vez do azul que representa o céu, o vermelho que simboliza o sangue mapuche e o branco que remete à neve derramada dos Andes, ela era preta com o desenho de labaredas.

A estrela, símbolo da glória do povo chileno, foi mantida na bandeira levada para o protesto. Um brasileiro poderia associar a bandeira ao Botafogo, e faz sentido. Os protestos deixaram alguns lugares de Santiago em chamas.

“Estamos aqui em solidariedade aos que lutam hoje em meu país por melhores condições de vida. Não adianta ter pessoas muito ricas no Chile se continua havendo pobreza”, declarou.

Há algo novo acontecendo na América do Sul, um movimento que sacudiu o Equador e chegou ao Chile, mas ainda não inspirou brasileiros. “No Brasil, pessoas passam fome”, comentou Jose Carlos, o namorado da chilena rica.

O casal ocupava uma mesa de um restaurante no centro de Buenos Aires.

“No Chile, há pobreza, mas não como no Brasil”, comentou. “Nos dois países, há muita desigualdade social”, afirmou. Piloto de motociclismo, também rico, ele, no entanto, não apoia as manifestações e tem uma explicação curiosa para o que aconteceu no Equador e agora no Chile.

“O pessoal do Maduro (Venezuela) está por trás dessa agitação. Domingo, ele vai provocar agitação aqui em Buenos Aires”, disse ele, em referência à data das eleições presidenciais argentinas, em que o esquerdista Alberto Fernández desponta como favorito.

O resultado das urnas na Argentina se apresenta como antídoto para o veneno do receituário neoliberal implantado nos países sacudidos por grandes manifestações.

O piloto de motociclismo Jose Carlos fala do presidente da Venezuela como se desconhecesse que Maduro hoje trava uma luta contra a direita em seu país, alvo de um cerco econômico liderado pelos EUA. Nessa situação, é improvável que se ocupe de promover agitação em países do continente. Não tem forças para isso.

A manifestação de Jose Carlos reflete o discurso do presidente chileno, Sebastián Piñera, que hoje de manhã declarou o país em guerra. Não disse quem é o inimigo, mas sua fala estimula o discurso de que Nicolás Maduro estaria por trás de protestos.

“Maduro? Que delírio é esse?”, diz a estudante Pilar, rindo. “O que acontece é que esse modelo econômico que impuseram no Equador, no Chile, na Argentina e também no Brasil se esgotou, não atende às necessidades do povo”, acrescentou.

No protesto em frente ao Consulado chileno, cartazes pediam a renúncia de Piñera e a saída dos militares das ruas, depois que foi decretado estado de emergência em algumas cidades do país, com toque de recolher noturno.

Enquanto o protesto em frente ao Consulado era realizado, a CNN em espanhol mostrava o presidente Piñera com discurso mais moderado do que o da manhã, quando falou em guerra.

Piñera, depois de congelar tarifas de transporte público, já fala em atuar para melhorar o serviço de saúde, para acabar com filas. Também prometeu preços mais baixos dos remédios e melhora nas aposentadorias.

Chamou os líderes da oposição para um acordo nacional.

A repressão ao protesto alto já provocou onze mortes e milhares de feridos. Há cerca de 700 pessoas detidas.

O discurso mais recente de Piñera vai na contramão das propostas de Paulo Guedes, o ministro da Economia do Brasil, que transfere para o lombo dos mais pobres o custo do ajuste fiscal, poupando os ricos.

Até agora, no entanto, os brasileiros continuam inexplicavelmente passivos diante do avanço selvagem do neoliberalismo.

Protesto em frente ao Consulado Geral do Chile em Buenos Aires. Reprodução da TV

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PS: estou de férias na Argentina, mas aqui só se fala das eleições presidenciais de domingo e das manifestações no Chile — fazer esses apontamentos para o DCM se tornou uma tarefa imprescindível.