Arquiteto da Paraty House que quer transformar Minhocão em jardim suspenso esconde tudo o que há ao redor

Atualizado em 27 de novembro de 2017 às 17:38
O Minhocão

O arquiteto Macio Kogan, autor do projeto da Paraty House, reconheceu que a transformação doMinhocão de São Paulo num jardim suspenso foi inspirada pela High Line de Nova York. A afirmação foi feita durante um debate realizado pela própria sociedade que ele dirige para promover esse projeto.

Nesse caso, para saber o que pode vir a acontecer com quem mora em São Paulo, perto ou longe do Minhocão, é preciso conhecer tudo sobre a High Line.

Foi isso que ele não disse, e é isso que os leitores do DCM vão saber agora, tão bem quanto conhecem a Paraty House.

A High Line era uma via férrea suspensa que atravessava o Upper West Side da ilha de Manhattan, à margem do rio Hudson, o bairro dos antigos frigoríficos, habitado por imigrantes pobres.

O cenário de West Side Story.

Em São Paulo, seria o equivalente à Vila Romana, por onde passa a estrada de ferro da antiga Santos a Jundiaí, à beira da qual havia muitos frigoríficos e onde hoje a subprefeitura da Lapa ocupa um antigo matadouro, no prolongamento do caminho do qual o Minhocão é apenas um trecho.

Os grandes frigoríficos desapareceram em ambas as cidades, a High Line foi desativada e abandonada. Acabou coberta por mato e passou a ser usada como área de lazer.

Lá, como cá, o vácuo sempre será preenchido.

A região entrou em decadência, o preço dos terrenos caiu e as torres gêmeas, no centro financeiro do sul da ilha, foram derrubadas. A vizinhança da antiga ferrovia dos frigoríficos passou a ser um bom terreno para investimentos imobiliários.

Foi o que aconteceu. No lugar dos frigoríficos surgiu o Hudson Yards – algo como “Quintais do Hudson”.

A propaganda do Hudson Yards diz tudo que a propaganda da High Line da Barra Funda não diz.

”Hudson Yards é o maior projeto imobiliário privado da história dos Estados Unidos, e o maior de Nova York após o Rockefeller Center. Ele vai oferecer mais de 1,67 milhões de metros quadrados comerciais e residenciais, centenas de lojas e restaurantes, incluindo a primeira Neiman Marcus da cidade e uma série de restaurantes sob a supervisão de Thomas Keller”.

Vai incluir ainda 4 mil residências, um centro artístico, 57 mil metros quadrados de espaços abertos e – outra grande diferença – 750 vagas em uma nova escola pública.

Deu pra perceber que os moradores e frequentadores serão outros e o preço dos imóveis, para comprar ou alugar, também?

A High Line, porém, não foi demolida. Os arquitetos do projeto acharam melhor mantê-la de pé e usá-la como um passarela para conectar os arranha céus. Os moradores e empregados que trabalham lá podem ir de casa ao trabalho sem passar pela rua, pois os elevadores dos novos prédios têm acesso direto a ela.

Para que isso fosse possível, foi preciso privatizá-la. E isso foi feito. Os incorporadores fundaram uma associação, a Amigos da High Line, para quem a prefeitura cedeu o direito de uso da estrutura de aço.

Para fazer qualquer coisa lá, até festinha de aniversário e tirar fotografia, é preciso pedir a autorização deles.

Andar de patins, skates, bicicleta, passear com o cachorro e, claro, pisar na grama, são proibidos.

O High Line em Nova York

Tudo isso é prometido para promover o parque sobre o Minhocão que, se for aprovado pela Câmara Municipal, deverá contar com um conselho gestor. 

O conselho, portanto, é quem vai decidir sobre tudo isso, se o Ministério Público não intervier, como já fez para proteger a  população contra acidentes graves que podem ocorrer por falta de segurança.

Nada, portanto, está garantido.

A manutenção de um jardim artificial, como a de um vaso, é cara. É preciso colocar terra, plantar, regar, adubar, podar e limpar constantemente. Já que os incorporadores de Nova York queriam aproveitar uma propriedade pública em benefício próprio, nada mais justo que pagassem a conta.

Essa é outra diferença que Kogan não contou. Aqui quem vai pagar a conta é você. O projeto de lei que pretende transformar o Minhocão em parquinho não diz sequer quanto isso vai custar. Nem quanto vai sobrar para pagar os demais parques de que toda a cidade precisa.

Para atender a demanda de passageiros que o Hudson Yards provocou, a linha 7 do metrô teve que ser estendida até lá. A estação ficou pronta há dois anos. Em São Paulo, não foi apresentado ainda qualquer plano para suprir a demanda de transportes públicos eficientes e não poluentes que a extinção da via elevada irá provocar.

Se você mora em São Paulo, pense duas vezes quando ouvir falar do parquinho em cima do Minhocão. Se você não for empresário imobiliário, o prejuízo pode ser seu.