As belas e as feias. Por Joaquim Onésimo F. Barbosa

Atualizado em 15 de janeiro de 2019 às 17:59
Damares Alves. Foto: Divulgação/Twitter

POR JOAQUIM ONÉSIMO F. BARBOSA

Na história da Branca de Neve, o espelho é o amuleto para o qual a madrasta má se volta com o objetivo de arrancar dele aquilo que por si mesma sabe que não é, ou o seu ódio a impede que veja. A célebre frase “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?” ecoa o vazio de um ego que precisa da voz do outro para desfazer a fraqueza e a baixa estima, esta, para muitos, se alimenta e se satisfaz do desmerecimento dos atributos do outro. Frases como “Assim até eu faço”, “Se fosse eu, faria melhor” refletem a nossa autoimagem adoecida, desmerecida, deturpada de nós mesmos.

Li em algum lugar que as pessoas que passam grande parte do tempo sozinhas têm menos necessidade de exposição ou de elogios. Elas acabam, por si mesmas, reconhecendo seus limites, suas fraquezas, e isso por não se veem obrigadas a correr atrás dos holofotes para saberem quem são e como são. Seu brilho está na imagem que carregam de si mesmas, na sua segurança, na sua autoestima, nas suas convicções do que sabem e podem. Ao contrário de quem precisa dos espaços dos holofotes e dos brilhos, de onde dependem para não morrer de inanição pessoal.

Na guerra das belas e das feias, das esquerdistas que a burrice alheia adjetiva feministas e feias (ah se não fossem as feministas feias, até hoje o mundo seria extremamente machista e misógino, e quem hoje desdenha delas estaria em casa fiando, cozinhando e cuidando as cuecas do marido, e não estaria em cargos públicos…), e as da direita, nos fios do ressentimento e da cegueira humana, as belas, o discurso que se tece hoje não é diferente do que a madrasta má ecoava diante do espelho. A imagem que o espelho reflete talvez não seja suficiente para calar ou conscientizar os que preferem ofender, machucar, tripudiar, expelir aquilo de que o coração está cheio. E as palavras revelam do que está.

O discurso da ministra Damares Alves, assim como o de muitos iguais a ela, reflete o discurso da madrasta má da história da Branca de Neve. O que ela quer, no íntimo das palavras, é ouvir aquilo que, nas atitudes, nos gestos e nas próprias palavras, ela reconhece em si e em si enfeita. Como o espelho reflete a imagem daquilo que ela realmente é, e não podendo mudar essa imagem que é a real, e talvez a assuste, precisa jogar as cinzas sobre aquelas cuja imagem gostaria de refletir, mas por obra não pode.

Damares esquece que a beleza e a feiura podem se ostentar de várias formas, entre elas os gestos, atitudes e palavras. E aquilo que ela, Damares, é tem se mostrado pelas suas palavras, atitudes e gestos, sabe-se lá até quando. Não precisa de um espelho para gritar e dizer. Na psicologia do Pequeno Príncipe, o essencial é invisível aos olhos. Damares talvez precise ouvir o silêncio, para saber quem ela realmente é. Mas talvez, no silêncio, quando olha o espelho em que ela busca a resposta para acalmar a sua angústia, ecoe aquilo que ela não gostaria de ver em si e ouvir de si, e isso a assusta, por isso joga para a plateia, para atingir as outras. Aí as sábias palavras do Evangelho transbordam toda a verdade: a boca fala do que o coração está cheio. Damares sabe disso…