As cartas na manga de Moro: Bolsonaro recuou e ainda desautorizou Paulo Guedes na questão do cigarro

Atualizado em 24 de janeiro de 2020 às 11:19

Passou despercebida outra derrota de Sergio Moro no governo Bolsonaro. Ontem, ao mesmo tempo em que chefe do Executivo anunciava estudo tirar do ministro da Justiça a Segurança Pública, Paulo Guedes dava entrevista em Davos, na Suíça, para informar que quer aumentar o tributo sobre o cigarro.

“Você reduz o consumo (com a cobrança desse imposto). Então, se o cigarro faz muito mal para a saúde, você bota o imposto. E por outro lado (se alguém disser) ‘ah eu vou fumar de qualquer jeito’, então está bom, mas, pelo menos, paga o imposto aqui porque nós vamos ter que cuidar da sua saúde lá na frente”, disse.

Uma das primeiras bandeiras levantadas por Moro no Ministério da Justiça foi, estranhamente, a de baixar os impostos sobre os cigarros. Em março do ano passado, ele criou um grupo de trabalho para propor a medida. O argumento era que, com a redução, o preço cairia e e diminuiria “o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade, o contrabando e os riscos à saude”.

Na época, se levantou a possibilidade de ação nos bastidores de um dos seus melhores amigos, lobista de carteirinha, o advogado Carlos Zucolotto Júnior, que é também padrinho de casamento de Sergio e Rosângela Moro. A sede Philip Morris Brasil Indústria e Comércio, um dos maiores fabricantes de cigarros do país, fica em Curitiba.

Não se conhece o resultado desses estudos, mas Moro não abandonou a ideia. Com a declaração de Guedes em Davos, o ex-juiz ficou sabendo que um de seus aliados no governo fechou a porteira para a iniciativa.

É uma derrota simbólica. Foi Guedes quem levou Moro para aquela conversa pública com Bolsonaro, em que foi anunciado o convite para ele entrar no governo, alguns dias depois da eleição. Foi Guedes o primeiro a contatar Moro, ainda durante a campanha, sobre a intenção de Bolsonaro de levá-lo para o governo em caso de vitória.

Uma conversa que, registre-se, é escandalosa e indicadora da parcialidade de Moro. No momento em que ocorriam essas conversas iniciais, o então juiz tornava pública parte da delação de Antônio Palocci, com declarações não comprovadas que geraram prejuízos na campanha de Fernando Haddad, adversário de Bolsonaro.

Ao dizer que não só não vai baixar o imposto do cigarro, como quer aumentá-lo, Guedes deixou claro de que lado está nesta disputa entre Moro e Bolsonaro. Se ainda tivesse a caneta de juiz, Moro poderia reagir com a determinação para investigar Guedes, citado em investigações da Lava Jato, como depositante de recursos em uma conta de propina no esquema de Beto Richa, no Paraná.

Mas Moro é hoje um leão sem dente e um juiz sem toga para fazer política e, assim, corromper o Judiciário. Ele poderá tentar arrastar alguns aliados magistrados para a luta na lama com Bolsonaro, como o notório Luiz Fux.

Seria revelador de que, nas instituições brasileiras, não há agentes de estado, mas integrantes de facções em disputada pelo poder.

Bolsonaro, depois de recuar no anúncio de retirar a Segurança Pública de Moro, amarelou também na questão do imposto sobre o cigarro.

Hoje em Nova Deli, na Índia, desautorizou Paulo Guedes. Ficou ao lado do ministro da Justiça: não criará o chamado “imposto do pecado”. Moro deve ter cartas na manga.

Com idas e vindas, Bolsonaro enlouquece seus ministros, mas não se pensa que não há rumo neste governo.

O projeto neoliberal segue seu curso. Pode não haver aumento do imposto sobre o cigarro, a bebida e o doce, mas a reforma tributária em curso vai jogar para as costas dos mais pobres o maior peso dos tributos.

Foi para isso que derrubaram Dilma, condenaram e prenderam Lula, e elegeram Jair Bolsonaro. Ele pode até ser o bobo da corte, mas a tarefa dele não está terminada.