As crianças torturadas em nome de Jesus

Atualizado em 28 de junho de 2017 às 13:01

Pastores pentecostais promovem violentos exorcismos em pequenos africanos para ganhar dinheiro.

Falsos profetas acusam crianças de bruxas para ganhar dinheiro
Falsos profetas acusam crianças de bruxas para ganhar dinheiro

 

Uma tragédia — uma a mais, melhor — está ocorrendo na África em nome de Jesus: a exploração religiosa de inocentes por falsos profetas de igrejas pentecostais. O texto abaixo é de Clóvis Pacheco Filho, ou “Prof” para quem acompanha o Diário — antropólogo, professor e jornalista.

Vídeos postados no Youtube mostram como a expansão do pentecostalismo na Nigéria, no Congo, em Angola, em sua vertente dita Teologia da Prosperidade, vem causando seríssimos problemas, ao se sincretizarem com a crença dos povos locais nos ramos africanos da feitiçaria.

Os pastores das instituições religiosas citadas, após acusarem crianças e jovens da prática de bruxaria, exigem dinheiro de seus pais, para procederem ao exorcismo.

Como a quantia exigida em geral supera a capacidade de pagamento dos pais dos acusados, o exorcismo prescrito – que em si mesmo é bastante violento – acaba sendo realizado pelos familiares, que assim acreditam que irão sair da miséria econômica, curar doenças, resolver problemas que, no seu entender, são causados por seus filhos. E esses filhos, muitas vezes, são menores de dois anos.

Os resultados dos exorcismos sempre são os piores possíveis, como morte, ferimentos, mutilações e os traumas psíquicos, o abandono social e a exclusão total da vítima, que fica atirada à própria sorte.

Quero ressaltar que tanto os pais quanto os pastores acreditam na existência da feitiçaria, em si mesma, traço comum em várias culturas africanas. Esse fato corrobora minha tese de que raramente ocorre conversão completa em massa de todo um povo a uma nova religião, mas somente conversões completas em casos individuais, que são, quase sempre, muito raros.

O que se dá, em geral, é o surgimento de um sincretismo, na maior parte dos casos históricos conhecidos. E os próprios pastores africanos citados, que alegam sua condição de cristãos seguidores da Bíblia, acreditam no poder da feitiçaria, como qualquer outro africano de suas comunidades de origem.

Daí a facilidade que encontram para a prática da manipulação das consciências, para os ganhos pecuniários pessoais e para a consolidação de seu poder.

Observe o vídeo abaixo:

A respeito da atitude dos tais pastores nigerianos e congoleses que maltratam crianças depois de, publicamente, acusarem-nas de bruxaria, é bom que se tenha em mente, repito, é a demonstração de que não há nada mais enganoso do que a crença na hipotética conversão em massa de um povo, de uma religião tradicional a outra, a uma religião nova.

Conversão bem sucedida pode acontecer individualmente, mas quanto a um povo, em sua grande massa, a história demonstra que isso jamais aconteceu.

Isso porque o homem jamais faz uma faxina mental completa, eliminando tudo o que antes estava em sua mente, para aceitar outro conteúdo, mormente se trazido de outra cultura.

Há, sobre isso, uma frase famosa, dita por um ilustre bispo católico do início da Idade Média, da cidade francesa de Reims, canonizado como São Remígio, que disse ao rei Clovis, do povo franco sicambro, estabelecido na região onde hoje está Paris, quando ele se converteu, depois de ter sido perseguidor do cristianismo: “Curva a cabeça, altivo sicambro. Adora o que queimaste e queima o que adoraste”.

Atualmente, na Nigéria, o cristianismo tem mais espaço social, em especial pelo pentecostalismo, em sua variante mais conhecida, a que deu origem à Teologia da Prosperidade, corrente que, no meu entender, é uma das maiores vigarices dos tempos modernos.

Os pastores citados, antes de qualquer coisa, manipulam abertamente o sincretismo, uma vez que seus rebanhos são compostos por pessoas que acreditam tanto nos conteúdos do cristianismo pentecostal, quanto nos valores tradicionais da crença em bruxaria. Daí a eficácia do que o pastor fala, diante de seu público, com relação aos que lhes dão o dinheiro como pagamento dos tais atos de exorcismos.

A ideologia subjacente à fala dos tais pastores é a que garante que se o fiel der dinheiro para os pastores, que se apresentam como representantes de Deushomens e mulheres de Jesusportadores da Palavra, Deus devolverá em dobro.

Para que é que Deus precisa de dinheiro é a pergunta correta, mas se torna facilmente explicável se forem observados os carros, jóias, casas de luxo, roupas de griffe ou pelo menos, de boa qualidade, possuídos pelos santos homens e santas mulheres de Jesus.

Em alguns dos casos mostrados pelos vídeos, o cinismo dos tais pastores é evidentíssimo. Podemos perguntar como é que pais e mães aceitam tal vigarice sem se revoltar, uma vez que as vítimas são seus próprios filhos, e quase sempre, crianças inocentes e apavoradas.

Acontece que em tais culturas tribais, quase sempre a criança tem uma personalidade diminuída, e que somente é realizada de modo integral com a maioridade, e que na maioria dos casos é quando se torna elemento ativo, pode se casar, exercer todos os atos da vida normal. E, geral, esse momento é demarcado por um rito de iniciação, um rito de passagem, como dizemos nós, antropólogos.

 

Crianças na Nigéria tentam se defender de acusações de bruxaria
Crianças na Nigéria tentam se defender de acusações de bruxaria

Enquanto não passaram pela iniciação, eles são indivíduos muitíssimo pouco diferenciados, e contam bem pouco, socialmente, tanto que quando morrem, pelo motivo que for, recebem ritos fúnebres bem menos elaborados. E sua morte é compensada sentimental e afetivamente por um novo filho.

Daí a facilidade com que famílias miseráveis aceitam a acusação de bruxaria, por envolverem crianças, que contam muito pouco na vida social.

Não estamos nós, no Brasil, isentos de tais acusações de bruxaria e similares. Houve vários casos atuais, publicados na imprensa, nos quais membros de igrejas do gênero, e seus membros fanatizados exorcismaram por meio de pancadaria várias pessoas que praticam (entre os sobreviventes) ou praticavam a umbanda, candomblé, e outros cultos do gênero. Tais casos foram numerosos na Baixada Fluminense, por parte de obreiros, “bispos” que tais. Por isso, é bom que tais fatos sejam conhecidos.

Já escrevi sobre os efeitos nocivos do pentecostalismo na África. Um pentecostal e se doeu. Parece que no modo de pensar dele, nenhum pentecostal seria capaz de fazer atrocidades, assim como “não fazem achaques de dinheiro dos fiéis”, porque no modo dele entender isso é mais que correto, pois é adepto da tal de Teologia da Prosperidade. Todos os seus pastores são santos homens de Deus, em sua visão maniqueísta.

Dada a simploriedade dele,  se vê que não é pastor, é ovelha, das que gostam de ser tosquiadas. Fosse pastor, do gênero em questão, os tais da prosperidade, seria, pelo menos, um pouco mais esperto.