As dores de um homem no futebol

Atualizado em 12 de julho de 2014 às 10:37

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Em 1978, quando abri os olhos para o futebol, estava vestido com as cores do Grêmio. Por influência de meu pai e de meu avô que, a rigor, nunca gostaram muito de futebol. Sem falar do meu tio Olivério, que tinha um pôster do Grêmio campeão gaúcho de 1977 na parede, com Iúra, Victor Hugo e Tadeu Ricci. O Inter venceria o campeonato gaúcho de 78, com dois gols de Valdomiro. E eu não entendi aquilo. Tinha 7 anos. Chorei ali a primeira grande tristeza autônoma e independente da minha vida. Lembro de meu pai me falando que no futebol alguém vencia e alguém perdia. E que era só isso, que nem as vitórias nem as derrotas eram para sempre, e que a vida seguia adiante.

Em 1979 tomei uma decisão igualmente autônoma e independente: virei colorado. Aquele Inter tricampeão invicto de Falcão, Jair, Batista e Mário Sérgio me conquistou. Já no ano seguinte perderíamos uma final de Libertadores para o Nacional, na última partida de Falcão pelo Inter. Uma perda dupla, que demoraria uma década para ser absorvida e superada.

Em 1982, reencontrei Falcão na Espanha, no Sarriá, naquela seleção mágica de Telê. Que inspirou o Barcelona e por conseguinte a Espanha do Tik Taka e por conseguinte o Bayern de Guardiola e por conseguinte os simpaticíssimos alemães que nos amam, que nos chamam de ídolos, que nos meteram 7 a 1 no Mineirão anteontem e por quem torcerei no domingo. A dor de 82 formou uma geração. E solapou o futebol brasileiro no que ele tinha de melhor. Nem preciso comentar.

De 1985 até 1991 o Inter viveu um longo período de trevas sob a hegemonia gremista. Era o Grêmio Show, hexa campeão gaúcho, campeão brasileiro, da Libertadores e do Mundo, primeiro campeão da Copa do Brasil. Muitas dores aí, nenhuma delas crítica – quase uma dor só, crônica, lenta e constante. Uma pontada: a final do Brasileiro perdida contra o Flamengo, em 87. E uma pontada ainda mais forte: a final do Brasileiro subsequente, em 88, perdida contra o Bahia – o primeiro campeonato que o Inter perdia, na história, jogando a última partida em casa. Em 1989, outra bofetada: a desclassificação da Libertadores contra o Olímpia, numa espécie de mini maracanazo particular no Beira Rio.

Em 1998, os 3 a 0 na final da Copa contra a França. Um choque que nos embasbacou. Demos essa alegria histórica aos franceses, que nem gostam de futebol tanto assim.

Em 2005, depois de anos a fio de magreza e mediocridade, o Inter estava a caminho de voltar a ser campeão brasileiro. E vimos Tinga ser expulso, no Pacaembu, por ter sofrido um pênalti escandaloso de Fabio Costa. E vimos o nosso tetra de alguma maneira ir parar no peito do Corinthians.

Em 2010, bicampeão da Libertadores, o Inter foi a Dubai tentar ser bicampeão mundial contra a Inter de Milão. Mas havia um Mazembe no meio do caminho. Eu estava lá. E vivi todo aquele banzo, aquele velório encarnado em pleno deserto, a 10 mil quilômetros de casa.

A gente vai ficando velho e pensa que está imune a esse tipo de coisa. Que aprendeu a lidar ou a relativizar ou a desencanar. Nada. O Mineirazo é uma catástrofe. Um ácido que vai corroendo mais fundo à medida que o tempo passa e que a realidade vai se impondo e dizendo: “não é pesadelo, aconteceu mesmo. E é para sempre. Viva com isso.” Queria estar mais imune e menos deprimido. Mostrar aos meus filhos, de uma maneira bonita, pedagógica, como se lida com a perda. Quem saber dizer a eles, como meu pai me disse um dia, que no futebol alguém vence e alguém perde. E que é só isso, que as vitórias e as derrotas não são para sempre, e que a vida segue adiante. Mais do que dizê-lo, gostaria de mostrar isso a eles com meu próprio comportamento. Mas está difícil. Meus filhos, até a Copa das Copas grandemente desinteressados por futebol, agora jogam Fifa no iPad a tarde inteira, narrando Brasil e Alemanha, falando o nome dos jogadores em voz alta, em sua brincadeira, em seus sonho lúdico. O que só faz aumentar esse nó em minha garganta. Não há para onde fugir. Não há ânimo para nada. E, para piorar, não sei quanto a você, mas ainda tem o diabo desse cântico porteña que não me sai da cabeça. Termina logo, Copa. Que a ferida vire logo cicatriz e que esse presente opressivo vire logo apenas mais um lembrança ruim.

Alguém reconhece?
Alguém reconhece?