As falácias do “Estado inchado”. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 31 de julho de 2023 às 17:41
Foto: Ascom/SEC

Hoje a Folha publicou uma reportagem sobre tamanho do Estado brasileiro que constitui, por si só, uma vitória simbólica para todos que vem lutando, há anos, para desmistificar as falácias do Estado inchado.

A matéria, que denuncia essas falácias, reflete a mudança de ventos, resultado de muito sofrimento e luta conceitual, porque até poucos anos atrás, o setor público vivia sob ataque feroz dos jornalões. Estes empurravam goela abaixo da opinião pública uma narrativa mentirosa, urdida por um punhado de economistas espertalhões do primeiro mundo, de que o caminho para um desenvolvimento moderno e sustentável passava pelo enxugamento dos governos.

Quer dizer, o foco não era nem a contenção das despesas, visto que defendiam com unhas e dentes aumentos de juros que faziam o Estado gastar cada vez mais com juros da dívida pública. A bandeira desses setores ultraliberais, que ainda dominam a cultura da classe média brasileira e de suas mídias, era a diminuição do emprego público.

A animosidade que a nossa elite financeira sempre alimentou contra a figura do servidor público tem raízes ideológica profundas. É um ódio de classe, porque o serviço público oferece empregos não controlados, ao menos não inteiramente, pelo capital. O capitalista, portanto, olha para o emprego público com a mesma ojeriza que deve sentir um vampiro – se estes existissem – quando vê um crucifixo.

Muito se tem falado em guerra híbrida nos últimos anos, sobretudo a partir das revoluções coloridas das duas primeiras décadas do século XXI, mas talvez poucos tenham percebido que os países em desenvolvimento, em particular a América Latina, experimentou um verdadeiro massacre ideológico a partir dos anos 90, com a imposição, em toda a parte, de uma narrativa violentíssima contra o Estado e contra o serviço público.

Governos neoliberais, associados à imprensa, tratavam mal os servidores, sucateavam a administração, jogavam a população contra os servidores e seus sindicatos, e depois colhiam o frutos de seu sucesso, através de privatizações em grande escala, que geravam lucros multimilionários para os empresários que tinham as melhores conexões.

O mito do “Estado inchado” sempre esteve no coração dessa guerra híbrida. Não podemos subestimar a sua força e o seu sucesso. A reportagem da Folha não muda isso, porque é o que antigamente se chamava um pequeno golpe na ferradura, após anos e anos de violentas pancadas no ferro.

De qualquer forma, é sempre bem vindo uma batida, ainda que tímida, na ferradura, mesmo que envolta numa linguagem meio esotérica, técnica, como que para minimizar seus efeitos.

O assunto volta à tôna porque o congresso nacional deve começar a discutir, talvez já em agosto, uma reforma administrativa. Arthur Lira, o nosso pequeno imperador do legislativo, parece empolgado em agendá-la o quanto antes. O Brasil precisa dessa reforma, mas por isso mesmo será necessário muita vigilância para que não seja transformada em mais um ataque irracional e egoísta ao serviço público e aos servidores.

A reportagem da Folha traz um gráfico com um ranking internacional do percentual de servidores ativos em relação ao total de empregos no país. Os números da Escandinávia impressionam. Nessa região, que há muitas décadas lidera os índices de desenvolvimento humano, os servidores compõem aproximadamente 30% do mercado total de trabalho. Mas a nossa própria cultura vira-lata torna difícil nos comparar a esses países, talvez porque os brasileiros os vêem, e isso é também uma coisa construída ao longo de muitos anos de guerra híbrida, quase como seres de outro planeta.

O dado que mais pesa na opinião pública brasileira é a comparação com os Estados Unidos, onde os servidores públicos representam 13,56% de todos os trabalhadores do país. O Chile, percebido como um oásis liberal na América Latina e detentor de notável soft power na região, mantém 13,19% de sua força de trabalho no setor público.

Importante observar, todavia, que a Folha jamais publicaria algo assim não fosse o trabalho de… servidores públicos, especialmente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o prestigiado IPEA, que acompanha de perto esses dados, através do Atlas do Estado Brasileiro, lançado em 2019. O Atlas vem sendo, desde então, atualizado todos os anos, e este ano foi lançado o livro Trajetórias da Burocracia Brasileira, com artigos brilhantes sobre o tema e números atualizados.

A reportagem da Folha ajuda a derrubar a falácia do Estado inchado, mas é um texto tímido, isolado e perdido em meio ao dilúvio ultraliberal que o mesmo jornal representa. O livro supracitado, ele sim, representa um ataque muito mais forte e eficaz contra as mentiras liberais.

Para compreender a magnitude do serviço público nacional, é crucial analisá-lo por meio da segmentação dos três níveis federativos.

Fomos atrás de outros gráficos que nos ajudarão a entender melhor a evolução do emprego público no país.

Um dos mais emblemáticos é o que nos mostra a participação das despesas com salários e vencimentos de servidores da ativa em relação ao PIB. Ele mostra que as despesas com salários de servidores federais caíram em relação ao PIB desde 2002, ou seja, desde o primeiro governo Lula. Em 2002, as despesas com servidores ativos federais representavam 2,6% do PIB, em 2013, esse percentual havia caído para 2,3%. Em 2020, foi de 2,4%. Os governos estaduais também viram o peso do funcionalismo cair em relação ao produto interno bruto do país, de 3,8% em 2002 para 3,6%.

Na verdade, todo o aumento do funcionalismo no Brasil se deu nas administrações municipais. Inúmeros gráficos do Atlas mostram isso. No gráfico abaixo, vemos que o peso das despesas de prefeituras com salários de seus servidores saltaram de 2,5% para 3,8% do PIB.

Importante salientar, todavia, que esse aumento foi puxado sobretudo pela contratação de profissionais de educação e saúde pelos municípios.

Nesse outro gráfico, compilado pelo website Republica.org, com base em números do Atlas e outras fontes, vemos que os vínculos públicos (empregos públicos) das diferentes esferas federativas oscilaram de maneira muito diferente uma das outras. Os vínculos federais se mantém estáveis, com um crescimento extremamente gradual e moderado, desde o início da Nova República, em 1985, até 2019, ano da última atualização desses dados. Os empregos estaduais avançam mais expressivamente, passando de perto de 2 milhões de vínculos para um pouco menos de 4 milhões. Já os empregos municipais literalmente explodem, de menos de 2 milhões para mais de 6 milhões.

No gráfico abaixo, apenas com servidores públicos federais ativos, temos também uma ideia bem clara de como os empregos federais, se considerados apenas os servidores ativos, vem se mantendo estáveis, sempre em torno de 500 mil vínculos.

Já o gráfico abaixo traz a evolução, em termos percentuais, dos vínculos públicos por nível federativa. Repare que os vínculos municipais avançaram mais de 300%, ao passo que os federais experimentaram aumento tímido, apenas um pouco acima de zero.

Abaixo, reuni uma série de gráficos que podem ajudar o internauta a entender melhor o tamanho do Estado brasileiro.

    

  

Publicado originalmente no portal O Cafezinho

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