As histórias não contadas no gibi do Coronel Telhada

Atualizado em 1 de julho de 2014 às 10:10

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Está nas bancas a revista em quadrinhos “Coronel Telhada”.

Ao preço de 5 reais e classificação indicativa para maiores de 16 anos.

Segundo Telhada, a edição teve um custo de R$ 20 mil e foi integralmente bancada por anunciantes (um petshop, um posto de gasolina, uma loja de carros, uma empresa de segurança e um convênio odontológico). No entanto temos agora a informação de que o gabinete de Telhada gastou 49 mil de sua verba com a mesma gráfica para materiais outros.

Chama a atenção o fato de que a média de gastos de seu gabinete com impressões e diagramação anteriormente era de R$ 307 mensais. Após a entrada da atual gráfica, o custo mensal saltou para R$ 6.503,00. Verba de gabinete é dinheiro público.

No editorial da revista em quadrinhos, o coronel afirma que sempre pensou em escrever sua autobiografia mas que nenhuma proposta recebida de editoras lhe satisfazia. Surgiu assim a ideia do gibi. Telhada é o protagonista das histórias.

Esclarece também que a linguagem visual é algo que mistura “comics” americanos com “mangás” japoneses para, aí sim, criar “uma HQ totalmente brasileira”. Não sou expert em quadrinhos e a parte da miscelânea artística do material pouco me importa.

O que fica claro é que, mais que historinhas de egolatria, a publicação tem a intenção de lustrar a figura dos policiais e da polícia militar. Com a imagem extremamente desgastada, a corporação deve estar endossando qualquer iniciativa nesse sentido.

Porém o personagem principal está longe de transmitir a envergadura de um super herói. E daí as contradições saltam à vista.

O narrador se esforça para dizer que respeita a vida inclusive do infrator. “Nunca desejamos a morte de ninguém, nem de um bandido”, ou “Como policial, meu dever é garantir a vida de todos, inclusive a do bandido”. O Coronel Telhada da vida real que comandou a ROTA até 2011, já declarou que “Bandido, pra mim, ou é pra cadeia ou saco”. Ele é também autor da premiação Salva de Prata para a Rota, uma polícia famosa por ser matadora e que muita dor de cabeça já deu a jornalistas que a denunciaram.

Telhada obviamente deseja sucesso de vendas. Acho difícil.

Se tem algo que podemos nos orgulhar é de não cultuar esse tipo de coisa. Nisso diferimos muito, e somos melhores, dos americanos que produzem maçicamente seriados, filmes, chicletes e que tais no gênero maniqueísta. Por aqui, nenhuma tentativa funcionou, com exceção talvez de” Tropa de Elite” e seu Capitão Nascimento. E lá nos anos 60 um vigilante rodoviário em preto e branco também teve alguma audiência. Só. Ainda bem.

Em época de debate acerca da desmilitarização, com a atuação desastrosa da polícia durante os protestos e prisões injustificáveis de manifestantes, com os corriqueiros e infindáveis casos de morte de suspeitos nas periferias, o lançamento de um gibi com ocorrências policiais é de uma falta de senso de oportunidade similar a propaganda de companhia aérea em dia de queda de avião.

“No fim, o que muitos não percebem, é que o PM é o maior defensor dos direitos humanos”, diz o narrador da segunda e última história. Quando nem vemos a identificação em suas fardas, esse trecho só pode ser mesmo da ficção.