
Uma embarcação que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse transportar narcóticos ilegais e seguir em direção ao país foi atingida pelas forças militares norte-americanas enquanto navegava no sul do Caribe.
O ataque, ocorrido na terça-feira, deixou 11 mortos. Segundo Trump, a embarcação pertencia a um cartel de drogas que ele classificou como organização terrorista responsável por assassinatos nos EUA.
Pela Constituição, o poder de declarar guerra pertence ao Congresso, mas o presidente é o comandante-em-chefe das Forças Armadas. Presidentes de ambos os partidos já realizaram ataques militares no exterior sem aprovação do Congresso.
Essas ações são justificadas quando consideradas de interesse nacional, não restritas pelo Congresso e sem configurar uma guerra formal, conforme memorando do Escritório de Assessoria Jurídica da Casa Branca.
O ataque foi legal sob a lei dos EUA?
Tradicionalmente, presidentes ordenaram ataques contra combatentes inimigos, grupos terroristas como a Al Qaeda ou militantes como os houthis no Iêmen. O ataque de terça-feira marca uma mudança de padrão: Trump afirmou que a embarcação transportava drogas ilegais, algo que normalmente caberia à Guarda Costeira interceptar.
Caso a Guarda Costeira tivesse sido atacada ao tentar interceptar o barco, seus agentes estariam autorizados a se defender, segundo especialistas. No entanto, Trump divulgou nas redes sociais um vídeo que parecia mostrar o barco sendo destruído por um ataque aéreo.
O governo não apresentou evidências de ameaça iminente, de que a embarcação estivesse armada ou de que os tripulantes fossem alvos críticos de terrorismo, como em casos anteriores. O cartel Tren de Aragua, apontado por Trump como operador do barco, não está em guerra declarada com os EUA, diferentemente de grupos como a Al Qaeda. Para muitos ao redor do mundo, as vítimas eram civis e o ataque será interpretado como uma execução extrajudicial, dizem especialistas.
E quanto ao direito internacional?
A Carta da ONU proíbe o uso da força entre Estados, exceto em legítima defesa. Os EUA podem alegar que agiram em “autodefesa antecipatória”, e Trump disse que o Tren de Aragua estaria sob controle do presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Mas especialistas lembram que essa justificativa não se sustenta sem provas de ataque iminente ou anterior do grupo. Autoridades venezuelanas também contestaram a presença ativa do cartel no país. Além disso, o direito de autodefesa contra atores não estatais ainda é tema de debate jurídico internacional.
Funcionários do governo Trump disseram que a embarcação estava em águas internacionais. Caso fosse registrada sob bandeira de algum país, o ataque seria considerado uma agressão em território estrangeiro, elevando o risco de escalada. Não foi informado se o barco tinha registro.
Quem pode contestar a legalidade do ataque?
Como o governo da Venezuela e o Tren de Aragua são considerados párias internacionais, pode não haver interesse imediato em contestar. Isso pode mudar se novos ataques ocorrerem, como já sinalizou o Pentágono.
Membros do Congresso criticaram a ação e defendem limites ao uso da força pelo presidente, embora, nas últimas décadas, o Legislativo tenha cedido cada vez mais esse poder. Processos judiciais internos contra a autoridade presidencial encontram grandes barreiras, já que tribunais tendem a deferir ao Executivo em questões de segurança e relações exteriores.
Familiares das vítimas poderiam tentar ações civis por indenização nos EUA, mas o processo seria longo e caro. Há ainda risco de cidadãos norte-americanos serem mortos em operações desse tipo, como ocorreu em 2011, quando um ataque de drone autorizado por Barack Obama matou Anwar al-Awlaki, militante da Al Qaeda nascido nos EUA.
O ataque também poderia ser levado a tribunais internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Embora os EUA não sejam signatários, o foro já levou países a reconhecerem abusos passados.
Ainda que desafios jurídicos não prosperem, especialistas alertam que a ofensiva pode desgastar as relações internacionais de Washington e dificultar cooperações em políticas de combate às drogas e à imigração.