As lições da cobertura da Globo das denúncias de Janot contra Lula e Dilma. Por Willy Delvalle

Atualizado em 7 de setembro de 2017 às 11:15
Renata Lo Prete no Jornal da Globo

 

Os últimos dias têm sido muito didáticos para o público brasileiro. Temos aprendido muito sobre a relevância dos fatos. As denúncias de Rodrigo Janot contra Lula, Dilma e o PT em dois dias muito nos ensinam sobre a importância da semiótica para o jornalismo comunicar uma mensagem.

No dia da primeira denúncia de Janot, O Globo produziu mais uma das históricas capas do jornalismo brasileiro. A manchete principal fala da denúncia contra Lula, Dilma e o PT, debaixo do chapéu “corrupção em série”.

Embaixo, a foto das malas de dinheiro de Geddel Vieira Lima. Não há qualquer referência a ele no título. Qualquer leitor que olhe de imediato para a página fará a inevitável associação: esse é o dinheiro da “organização criminosa”, como diz a manchete.

A questão da relevância da notícia, da hierarquia dos fatos, é mais uma vez colocada em xeque. Quem é mais importante para a sociedade nesse momento? Um ex-ocupante de um cargo público ou um mandatário atual?

Para O Globo, é mais relevante falar de Lula e Dilma. Temer, o Presidente da República, é uma manchete que vem abaixo, depois do STF e um ponto e vírgula: “STF reage a áudio da JBS; Temer ganha fôlego”. Mas sua imagem nem aparece, já que a charge abaixo é de Janot e Gilmar Mendes.

E como linha editorial é algo que perpassa uma organização, na TV Globo não poderia ser diferente. O tema de abertura do Jornal da Globo e a primeira reportagem não poderiam ser outros.

“Dois dias, duas denúncias contra Lula e Dilma. Hoje por obstrução de justiça. A nova denúncia do Procurador-Geral da República se refere ao episódio em que ela tentou nomear Lula ministro supostamente para livrá-lo de uma prisão na Lava-Jato”, diz Renata Lo Prete.

Uma das primeiras informações da reportagem é o tempo de prisão, que pode ir de três a oito anos, além de multa. Enquanto isso, a imagem mostra os ex-presidentes descendo a rampa do Palácio do Planalto.

O áudio anulado por Teori Zavascki é reproduzido. Em seguida, é defendido pela repórter. “Essa conversa foi divulgada com autorização do juiz Sérgio Moro. O telefone de Lula estava sendo monitorado com autorização da Justiça”.

“A Procuradoria-Geral da República afirma que essa nomeação era uma tentativa de assegurar foro privilegiado a Lula no Supremo Tribunal Federal, tirá-lo da esfera de Sérgio Moro na primeira instância, evitar uma prisão”, explica.

Aí a reportagem diz que o áudio da conversa não pôde ser utilizado. Frustra-se quem espera saber por quê. “A conversa gravada não pôde ser utilizada como prova. Foi anulada por decisão do ministro do Supremo Teori Zavascki, que morreu em janeiro”.

Os motivos da anulação, o pedido de desculpas exigido por Zavascki a Moro pelo fato de este ter usurpado a competência do Supremo ao divulgar uma gravação envolvendo uma autoridade (a então presidente da República Dilma Rousseff), a interceptação ilegal pelo fato de a gravação ter sido feita depois do horário permitido… Nada disso é lembrado ou explicado ao público.

Nada disso é problema. O que importa mesmo é incriminar os ex-presidentes. “Mas a Procuradoria enxergou outros indícios de obstrução de justiça, como o ato da nomeação, a nota oficial divulgada por Dilma após o áudio, que confirmava que pretendia dar posse a Lula e outros depoimentos”.

Ora… O ato da nomeação de quem o presidente quiser não seria uma prerrogativa do cargo? Virou crime? Que nota oficial divulgou a presidente? É indício de crime ela dizer na nota que queria dar posse a Lula como ministro? Não se tratava de um fato público e notório? A que depoimentos se refere a repórter?

Na ausência de explicações ou argumentos, faz-se uma associação. Fala-se de outro membro do Partido, próximo a Lula e Dilma, denunciado pela PGR. “O ex-ministro Aloizio Mercadante também foi denunciado. O procurador afirma que ele tentou evitar a delação premiada do senador cassado Delcídio do Amaral”. Onde há fumaça, há fogo, pensará o telespectador.

Claudia Bomtempo esclarece que a PGR quer que o caso fique no Supremo, porque tem a ver com a denúncia de organização criminosa. Enfim, amarradas as duas denúncias.

Ela fala ainda do inquérito aberto contra Eduardo Cardozo e que foi arquivado. Não há gráficos, animações, ou imagens especiais explicando o que isso significa. No meio de tantas informações sobre a organização criminosa, o que será que isso quer dizer?

Logo em seguida, vêm as respostas dos citados, cheias de “segundo…”.

Dois dias, duas denúncias contra Lula e Dilma… Por quê? Onde estão Heraldo Pereira ou os comentaristas da emissora para levantar hipóteses, explicações para esse fato atípico da política e da justiça brasileiras? Qual a relação disso com o contexto e as novas gravações que vieram à tona? Existe alguma?

A notícia é importante, é relevante, abre o noticiário, mas, na ausência de fotos, vídeos e gravações, não precisa de muita explicação. É só falar em Dilma, Lula e o PT que o público já entende. É crime. É só mostrar o juiz Sérgio Moro que já dá pra entender qual é o lado certo e o lado errado da história. O que confundir os papéis dessa trama, deixa-se de lado.

A semiótica é clara. Na ausência de provas, o que vale é a convicção.