As lições de Marco Aurélio, o imperador filósofo

Arrogância é própria dos tolos.

Um amigo da humanidade

Marco Aurélio, que comandou o mundo no último grande momento de Roma, personificou o sonho de Platão: o imperador filósofo.

Ninguém poderia tornar realidade o sonho utópico de Platão com tanto esplendor. Como imperador, Marco Aurélio (121 – 180 d.C.) conduziu uma Roma já ameaçada a um período dourado.

Como filósofo, escreveu, em geral em acampamentos de guerra, palavras cuja sabedoria doce e resistente desafia a passagem do tempo.

Eram reflexões para si próprio, frases curtas e não obstante profundas que giravam, basicamente, sobre a efemeridade da  glória e da vida.

Um discípulo, depois da morte de Marco Aurélio, juntou-as num pequeno grande livro ao qual deu o nome de Meditações, que se transformaria num patrimônio da humanidade.

O pensador francês Ernest Renan, do século 19, disse que os seres humanos estariam sempre de luto por Marco Aurélio.

Não há exagero aí: conhecer Marco Aurélio é amá-lo. Suas observações são um fabuloso manual de conduta, e o que mais impressiona é que onde poderia haver um tom professoral existe, na verdade, uma imensa e comovedora doçura.

Ele não condena a miséria humana, e sim a compreende. Mais que isso, joga luzes com a força de seu exemplo sobre como lidar com ela.

Nos momentos de descrença e desilusão, mas não só neles, é um conforto ter Marco Aurélio por perto.

Releio-o com frequência, e muitas vezes abro as páginas de minha velha edição ao acaso (a melhor tradução de Marco Aurélio para o Brasil é da série Os Pensadores, da Abril Cultural: um primor).

Sugestão do imperador filósofo para o começo de cada dia: “Previna a si mesmo ao amanhecer: vou encontrar um intrometido, um mal agradecido, um insolente, um astucioso, um invejoso, um avaro”.

Marco Aurélio é útil para uma infinidade de situações cotidianas. Somos extraordinariamente suscetíveis à ideia da glória, e é um convite ao bom senso ouvir, a esse respeito, quem foi o dono do mundo.

A arrogância, mostra ele, sustenta-se apenas na ignorância e na ilusão. “Cada um vive apenas o momento presente, breve. O mais da vida, ou já se viveu ou está na incerteza. Exíguo, pois, é o que cada um vive. Exíguo, o cantinho da terra onde vive. Exígua, até a mais longa memória na posteridade, essa mesma transmitida por uma sucessão de homúnculos morrediços, que nem a si próprio conhecem, quanto menos a alguém falecido há muito.”

A grandeza de espírito de Marco Aurélio legou à posteridade  exemplos memoráveis.

Descoberta uma conspiração e executado sem seu conhecimento o mentor, ele lamentou a perda da possibilidade de perdoar o traidor.

Entregaram-lhe a correspondência do conspirador. Ele queimou-a sem lê-la.

Sua atitude diante da discórdia é inspiradora. Estamos a toda hora brigando com alguém e sendo tomados por sentimentos de rancor e aversão. Em suas anotações, Marco Aurélio disse com majestosa sabedoria: “Sempre que você se desentender com alguém, lembre que em pouco tempo você e o outro estarão desaparecidos”.

É um dos chamamentos à paz e à concórdia mais simples e mais eficientes.

Em ingênua oposição ao cerne da filosofia de Marco Aurélio – a fugacidade de tudo -, ouso dizer que suas palavras são eternas.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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