As lições para sair do “atoleiro” de um jornal que não sai do buraco: o Estadão. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 3 de janeiro de 2016 às 18:32

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“Um economista é alguém que sabe o preço de tudo e o valor de nada”, disse Bernard Shaw. Caberia acrescentar que, eventualmente, a categoria não sabe nem o preço de tudo.

Essa definição se encaixa especialmente bem no massacre de más notícias a que o brasileiro é submetido diariamente. O Estadão acaba de produzir uma peça que merece um lugar em qualquer antologia do baixo astral e da manipulação no terreno da economia. Tudo disfarçado de prestação de serviço e informação.

São vários artigos sob a rubrica “Economistas apontam soluções para o Brasil sair do atoleiro econômico”. Algo que foi feito, ficamos sabendo, no início do ano passado, quando “havia um consenso entre economistas de diferentes correntes de que 2015 seria ‘desafiador’.”

“Nem o mais pessimista deles, porém, conseguiu imaginar que a deterioração ocorreria de maneira tão rápida e profunda. O que era chamado genericamente de crise transformou-se no que promete ser a pior recessão em quase cem anos”, lê-se.

É de cortar os pulsos. Uma coisa é um retrato de uma crise grave. Outra é abraçar uma abstração distópica, uma tragédia de dimensões épicas, uma catástrofe que não ocorria há um século. Abandonai toda esperança etc etc.

O “atoleiro do título” dá o tom. Em seguida, vêem os pareceres.

“A construção de um desastre”, aponta Affonso Celso Pastore; “Recessão bate governo de 7 a 1”, segundo David Kupfer; “O embuste fiscal”, denuncia Amir Khair; “As razões para o colapso”, enumera José Luis Oreiro.

Ainda que os textos eventualmente não sejam todos cataclísmicos, a edição é preparada de modo a parecer que se trata de um conjunto de sábios vaticinando de maneira unânime que o Brasil acabou — e a solução óbvia é o impeachment.

Há sempre um dado curioso nesse tipo de cobertura: é incrível que uma empresa como o Estado de S. Paulo dê lições sobre como sair do buraco, já que vive metido nele.

O Estado não é vendido porque não tem comprador. Há anos as demissões em massa fazem parte do DNA na Marginal Tietê. Uma amiga contou que, quando acontecem os “passaralhos”, jornalistas são convocados a entrar em salas e executados um a um, sem misericórdia. “Como nos vídeos do Estado Islâmico”, diz ela.

Se o Estadão não estivesse na draga há tanto tempo, uma matéria ensinando a “sair do atoleiro” seria, talvez, menos constrangedora e desonesta.