Ao enviar para a Câmara dos Deputados um estudo em que defende radares nas estradas, o ex-juiz Sergio Moro, ministro da Justiça, foi na contramão de Jair Bolsonaro, seu chefe, que quer acabar com esse sistema de controle de velocidade.
Este foi o aspecto da notícia destacado pela imprensa, que deixou de mencionar que a indústria dos radares tem conexão com o escritório de advocacia de sua mulher, Rosângela Moro, e também com a atividade do padrinho de seu casamento e amigo de longa data, Carlos Zucolotto Júnior.
Zucolotto, que se tornou lobista de carteirinha ao pedir sua inscrição na Associação Brasileira de Relações Governamentais, é advogado da Perkons S/A, fabricante de radares.
A empresa também é representada na Justiça por outra advogada, Thaís Milena Ribeiro, que foi sócia de Zucolotto e hoje trabalha no escritório de Rosângela Moro.
Zucolotto e Thaís também foram sócios na empresa Etoile Assessoria Ltda, fundada em 2015 e já fechada, segundo registro da revista Veja.
Mundo pequeno demais para que todas essas conexões se estabelecessem.
Moro pode ter todos os motivos do mundo para defender radares.
O estudo da Polícia Rodoviária Federal que ele enviou à Câmara dos Deputados, atendendo a requerimento de informações apresentado pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP), associa a instalação de radares à redução de mortes nas estradas.
Mas, no caso dele, a proximidade da indústria com Zucolotto e Rosângela torna a manifestação suspeita. A Perkons já disputou sete licitações do governo federal, todas antes da gestão de Moro, mas ainda não conseguiu nenhum contrato.
A investida de Bolsonaro contra os radares também pode ser a fachada de uma disputa por poder no governo federal. Ao criticar os radares e prometer acabar com eles, Bolsonaro contraria interesses muito próximos da esposa e do amigo de Moro.
Bolsonaro levantou o assunto radar do nada, durante uma transmissão ao vivo pela rede social na última quinta-feira.
“Eu conversei com o ministro Tarcísio [Freitas], da Infraestrutura, e estava na mesa dele, por coincidência, pedidos para 8 mil e poucos novos pardais, novas lombadas eletrônicas. Falei pra ele: Tarcísio, engaveta esse ‘trem’ aí“, disse.
Moro já foi envolvido em uma articulação para atender a lobby de outro grupo muito próximo de Zucolotto e dele próprio. É o caso do registro sindical obtido pelo Sindicato das Empresas de Gastronomia, Entretenimento e Similares de Curitiba (SindiAbrabar).
Responsável pelo setor de registro sindical do Ministério do Trabalho, durante o governo Temer, Luciano Cabral contou à Polícia que o SindiAbrabar só conseguiu ser reconhecido como entidade representante do setor depois da interferência do próprio Moro, na época juiz em Curitiba.
Luciano Cabral prestou o depoimento depois de ser preso na Operação da Polícia Federal Registro Espúrio.
Cabral tem uma foto em que aparece com Moro e dirigentes do Sindicato durante a festa para comemorar a obtenção do registro depois de muitos anos de tentativa.
A revista Veja, que fez este relato em reportagem, procurou defender Moro. “É difícil até tentar imaginar que o juiz responsável por uma gigantesca investigação de corrupção no país tenha pegado um telefone, ligado para Brasília e usado o peso de seu nome para pedir um favor a um grupo criminoso”, escreveu.
E o que Moro estaria fazendo na festa para comemorar a obtenção do registro? Difícil imaginar. Em tese, sua relação com bares e restaurante se limita a frequentar o Paraguassu, bar da família de Zucolotto.
Zucolotto tem uma empresa de consultoria empresarial — que faz lobby — que funciona no mesmo endereço do escritório de Rosângela Moro, a CZJ Assessoria e Consultoria Empresarial.
Ali também está instalada a HZM2 Cursos e Palestras, empresa aberta em 2018 que tem como sócios a esposa de Sergio Moro e Carlos Zucolotto Júnior.