As manifestações populares dos anos 70 não eram tão diferentes das de hoje

Atualizado em 20 de junho de 2013 às 14:43

Há mais pontos em comum entre os jovens das duas épocas do que supõem os saudosistas.

protesto

Para quem é mais velho e participou das manifestações dos anos 1970, é inevitável fazer comparações com as que estão ocorrendo no momento. A “revolta do vinagre”, como tem sido chamada, resgata um comportamento típico do jovem contestador — esse personagem que parecia ultrapassado ou, talvez, “vencido”. E, ao contrário do que andam pregando muitos saudosistas, nem todo o mundo que protestava há 40 anos tinha uma agenda clara e límpida.

Os saudosistas talvez reclamem da falta de uma ideologia, de um inimigo poderoso, das leis de exceção e da impunidade que contemplava a truculência policial. Mas, no fundo, é a mesma coisa. O que que se contesta hoje é um abuso de poder que o governo exerce sobre o cidadão, embora de uma maneira mais sutil e disfarçada.

Talvez, no passado, houvesse uma maior concentração de grupos de esquerda pregando a revolução e a implantação de sistemas socialistas de governo, mas a grande maioria dos manifestantes era formada por pessoas insatisfeitas com os desmandos de quem estava no poder. O inimigo é, basicamente, o mesmo.  Se as leis antes permitiam prisões, violência e arbitrariedades, as de hoje não são obedecidas: a PM dá tiros com balas de borracha e surra manifestantes sem qualquer  responsabilidade constitucional.

Os “vinagreiros” são versões atualizadas daqueles contestadores. Há um certo deslumbramento entre eles, motivado talvez pela descoberta da força que possuem. Enquanto as manifestações de hoje adquirem um clima de “festa” e até de euforia, as de antigamente eram cercadas de angústias reais, de um clima de opressão e violência declarada.  Hoje, os manifestantes portam vinagre e máscaras para se proteger da violência policial, enquanto os de então carregavam bolas de gude para enfrentar a cavalaria (cavalo escorrega nas bolas de gude) e lenços e chapéus para cobrir a cabeça (para não ser fotografado pelo DOPS).

O “boca a boca” de antigamente, única forma possível de divulgar o evento, foi substituído pelas redes sociais; na rua, os iPads e smartphones permitiram a divulgação instantânea do que estava acontecendo; jovens tatuados com piercing,  vestidos com as mais diferentes versões de tendências e tipos, substituíram aqueles que, no máximo, ousavam usar calça jeans e cabelo comprido; as músicas e “gritos de guerra” evocam um descontentamento generalizado, que vai do aumento da passagem do transporte público à corrupção da Copa do Mundo e ao Marco Feliciano — enquanto no passado gritavam-se palavras de ordem contra o regime militar, a tortura, as prisões e as mortes ocorridas nos subterrâneos do poder.

Cadê a imagem de Che Guevara?  Cadê os punhos fechados, as lágrimas de desespero, as canções de Geraldo Vandré? Foram substituídos por outros símbolos e por outras realidades que surgiram ao longo dessas décadas.

Na década de 1970, as passeatas eram ligadas a um fato específico — a morte de um estudante, por exemplo — para dar vazão a uma questão maior.  Hoje, o aumento da passagem de ônibus foi um pretexto, uma gota d’água que fez transbordar o descontentamento geral e a falta de respeito que o Estado exerce sobre o cidadão — o que, guardadas as devidas proporções, era o sentimento de antigamente. Não há partidarismo, como também não havia então. E, da mesma forma que antes, o importante é a demonstração da insatisfação, da necessidade de participar dos rumos da vida política e social, da exigência do respeito ao cidadão e do confronto de forças. Não querem e rejeitam o exercício da superioridade do poder que não obedece os princípios básicos da democracia — o que é essencialmente o que se praticava antes.

A única coisa a se lamentar é o largo tempo que se passou para que esse tipo de manifestação voltasse a ocorrer. Bem-vindos ao universo das contestações, jovens manifestantes – como um velho manifestante, meu coração está com vocês.