As melhores poesias de Florbela Espanca. Por Camila Nogueira

Atualizado em 4 de abril de 2016 às 18:53

Florbela Espanca foi uma das mais célebres poetisas de Portugal, competindo em estatura somente com mulheres do calibre de Leonor de Almeida Portugal, Marquesa de Alorna. A poetisa nasceu em 1894, em Vila Viçosa, e morreu pelas suas próprias mãos em 1930, aos trinta e seis anos.

Sua poesia, repleta de elementos melancólicos, eróticos e sublimes, evidencia seu estado de espírito soturno e lastimoso.

Para homenageá-la, selecionamos o que há de melhor em sua obra. As poesias e os fragmentos de poesia a seguir foram retirados dos livros Trocando Olhares, Livro de Mágoas, Charneca em Flor, Livro de Sóror Saudade e Reliquiae.

     “Ai as almas dos poetas
     Não as entende ninguém;
     São almas de violetas
     Que são poetas também.

     Andam perdidas na vida,
     Como as estrelas no ar;
     Sentem os ventos gemer
     Ouvem as rosas chorar!

     Só quem embala no peito
     Dores amargas e cretas
     É que em noites de luar
     Pode entender os poetas.

     E eu que arrasto amarguras
     Que nunca arrastou ninguém
     Tenho alma pra sentir
     A dos poetas também!” (Poetas)

“Filhos são as nossas almas,
Desabrochadas em flores;
Filhos, estrelas caídas
No mundo das nossas dores!

Filhos, aves que chilreiam
No ninho do nosso amor,
Mensageiros da felicidade
Mandados pelo Senhor!

Filhos, sonhos adorados,
Beijos que nascem de risos;
Sol que aquenta e dá luz
E se desfaz em sorrisos!

Em todo o peito bendito
Criado pelo bom Deus,
Há uma alma de mãe
Que sofre p’los filhos seus!

Filhos! Na su’alma casta,
A nossa alma revive…
Eu sofro pelas saudades
Dos filhos que nunca tive!…” (Filhos)

     “E os meus vinte e três anos…
     Dizem baixinho a rir: ‘Que linda a vida!…’
     Responde a minha Dor: ‘Que linda a cova!’.” (Dizeres Íntimos)

“A noite vem poisando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura…
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura…

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A dor que é cheia de tortura…
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Por que és assim tão ‘scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem…
Talvez de ti, ó Noite!… Ou de ninguém!…
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!” (Noite de Saudade)

     “Os teus olhos são frios como as espadas,
     E claros como os trágicos punhais;
     Têm brilhos cortantes de metais
     E fulgores de lâminas geladas.

     Vejo neles imagens retratadas
     De abandonos cruéis e desleais,
     Fantásticos desejos irreais,
     E todo o oiro e e o sol das madrugadas!

     Mas não te invejo, Amor, essa indiferença,
     Que viver neste mundo sem amar
     É pior que ser cego de nascença!

     Tu invejas a dor que vive em mim!
     E quanta vez dirás a soluçar:
     ‘Ah! Quem me dera, irmã, amar assim!…’.” (Frieza)

Nos meus beijos extáticos, pagãos!…
Trago na boca o coração dos cravos!
Boêmios, vagabundos, e poetas”. (Exaltação)

     “Em ti o meu olhar fez-se alvorada
     E a minha voz fez-se gorjeio de ninho…
     E a minha rubra boca apaixonada
     Teve a frescura pálida do linho…

     Embriagou-me o teu beijo como um vinho
     Fulvo de Espanha, com taça cinzelada…
     E a minha cabeleira desatada
     Pôs a teus pés a sombra dum caminho…

     Minhas pálpebras são cor de verbena,
     Eu tenho os olhos garços, sou morena,
     E para te encontrar foi que eu nasci…

     Tens sido a vida fora o meu desejo
     E agora, que te falo, que te vejo,
     Não sei se te encontrei… Se te perdi…” (Realidade)

“Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta…
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Serás o meu que hás de encontrar ainda…” (Supremo Enleio)

     “Sóror Saudade abriu a sua cela…
     E, um encanto que ninguém traduz,
     Despiu o manto negro que era dela,
     Seu vestido de noiva de Jesus.

     E a noite escura, extasiada, ao vê-la,
     As brancas mãos no peito quase em cruz,
     Teve um brilho féerico de estrela
     Que se esfolhasse em pétalas de luz!

     Sóror Saudade olhou… Que olhar profundo
     Que sonha e espera?… Ah! Como é feio o mundo,
     E os homens vãos! – Então, devagarinho,

     Sóror Saudade entrou no seu convento…
     E, até morrer, rezou, sem um lamento
     Por um que se perdera no caminho!…” (Último Sonho de Sóror Saudade)

“Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daqueles a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida,

Da rocha altiva, sobre o monte erguida,
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensanguentam na subida!

Tenho pena de mim… Pena de ti…
De não beijar o riso duma estrela…
Pena dessa má hora em que nasci…

De não ter asas para ir ver o céu…
De não ser Esta… A Outra… E mais Aquela…
De ter vivido e não ter sido Eu…” (A minha piedade)