
O ex-deputado federal Julian Lemos, que foi um dos aliados de Bolsonaro e nome forte da campanha eleitoral em 2018, foi entrevistado no DCMTV na terça-feira (1º) e falou sobre o ex-chefe, sobre o centrão e a comunicação da esquerda. Leia os principais trechos da entrevista:
AS PALAVRAS QUE DEFINEM BOLSONARO SÃO ‘CRETINO’ E ‘TRAIDOR’
Bolsonaro é uma pessoa desconectada da realidade. Ele entra em uma espécie de psicose ao afirmar: “Me dê 50% do Congresso e 50% do Senado”. Me dê? Como assim, se ele estará preso?
Outro ponto: até este momento, em julho, não há um adversário capaz de enfrentar Lula. Mas suponhamos que, por algum motivo, Lula não concorresse e outro nome assumisse essa posição — Tarcísio, por exemplo. Ele seria um pau-mandado do Congresso? É exatamente isso que Bolsonaro sugere.
Não consigo encontrar no vocabulário da língua portuguesa outra palavra que defina Bolsonaro além de cretino e traidor. Se o Bolsonaro de 2018 assistisse ao discurso atual, chamaria a si mesmo de canalha. Aquele infame tinha mais de 50% da Câmara e do Senado, duas vagas no Supremo e um apoio popular raríssimo na história política brasileira — além dele, apenas Lula teve. Mesmo assim, não fez nada do que prometeu. Pelo contrário, fez tudo o oposto. É um fenômeno a capacidade que ele tem de ainda conseguir enganar pessoas.
Bolsonaro já percebeu que, mesmo que pudesse voltar ao jogo, seria um presidente proforma, como foi quando se tornou refém do próprio grupo político — o mesmo que hoje tenta encurralar Lula e, na prática, não se preocupa com o próximo presidente, mas sim em manter o controle do Parlamento, pois o país já vive um parlamentarismo disfarçado.
Vivemos uma dualidade: de um lado a manada, de outro o gado. Há duas correntes entre os hipnotizados coletivos de que o jogo ainda é sobre presidente. Só há um nome que resistiria a isso hoje: Lula. E não digo isso como lulista, mas como analista político.
O QUE O CENTRÃO AINDA QUER DE BOLSONARO?
Alguém precisa dizer a Bolsonaro — se é que ele ainda não se deu conta — que hoje ele é irrelevante para a próxima eleição. Porém, ele ainda possui algo que interessa ao Centrão — uma força legítima e poderosíssima: a possibilidade de ser cooptado ou vendido. O Centrão já fez isso com a direita antes. Não existe mais uma direita independente no Brasil; ela foi comprada junto com seu chefe. Bolsonaro está vendido.
Quem vai determinar o representante desse grupo na próxima eleição não será Bolsonaro, e sim a elite política e econômica que comanda esse bloco. Já não duvido sequer que haja um acordo para manter Bolsonaro inelegível e preso. Ele continua fingindo que exerce influência, mas nem Tarcísio aparece como protagonista. Ele é, no máximo, líder de um grupo político.
Conheço bem o Parlamento — não fui um deputado de baixo clero — e sei o que digo: Jair finge que manda, os outros fingem que ele manda, até a hora em que precisarem tirar dele o que interessa.
Bolsonaro deveria se dar por satisfeito se conseguir uma prisão domiciliar. Se insistir em atrapalhar o grupo mais poderoso do país — o Centrão — acabará na lama ou, pior, em uma cela de terceira série.
Em breve, será preciso decidir quem enfrentará Lula. Esse faz-de-conta de “é Michelle, é Eduardo, é Ratinho Jr, é Zema” não se sustenta. Todos sabem que a pedra cantada é Tarcísio. Só que estão repetindo a cena do filme Gladiador: o imperador esfaqueia o gladiador antes do combate para que ele entre enfraquecido e a batalha final seja uma farsa.
Fora Tarcísio, que é governador, observem a ralé que acompanhou Bolsonaro no caminhão na Paulista: são todos uma música de uma nota só. Essa velha história de STF, liberdade, terminou transformada em palanque para 2026.
O que mais me preocupa é que o campo progressista e democrático não percebeu que precisa mudar a estratégia. Chegou a hora de Lula reescrever essa narrativa e mostrar ao povo brasileiro o que realmente está acontecendo.
SÓ APOIAM BOLSONARO POR INTERESSE PRÓPRIO
Sobre Sóstenes Cavalcante — que no Roda Viva afirmou que o plano A para 2026 é Bolsonaro e que ele lidera todas as pesquisas — digo o seguinte: esse discurso é fraco. Conheço Sóstenes, foi deputado comigo. Ele reclamava de Bolsonaro, dizia que o então presidente não tinha projeção. Só que agora Sóstenes cumpre o papel de tentar representar esse legalismo conservador, onde ainda busca alguma projeção, mesmo sem dizer a verdade.
A AUSÊNCIA DE MICHELLE BOLSONARO
Repare que, em momentos importantes, Michelle Bolsonaro tem se afastado de Jair. Talvez ela própria não acredite mais nesse projeto ou esteja exausta.
CARLOS BOLSONARO É UM IDIOTA TRATADO COMO GÊNIO
É lamentável que, em um país com tantos intelectuais e pessoas que realmente mudaram o destino da nação, Bolsonaro eleve alguém tão limitado como Carlos a condição de gênio. Ele se valeu de uma entrevista de Carlos no Facebook, segurando uma prancha de surfe, para vendê-lo como estrategista digital. Não cita o QG montado na casa de Paulo Marinho. É a mesma peça de marketing das motociatas e do frango com farofa. Não há genialidade alguma nisso — é só para capitalizar uma imagem do “arquétipo da genialidade” para forçar a candidatura de Carlos ao Senado.
Se não fosse Gustavo Bebianno negociar para que Bolsonaro não renunciasse e eu mesmo intermediar sua entrada no PSL junto a Luciano Bivar e Antônio Rueda, ele sequer estaria onde está.
A COMUNICAÇÃO DA ESQUERDA ESTÁ ERRADA
O PT, como braço político de Lula, precisa se reinventar. É hora de abrir espaço para novos nomes, de uma juventude atuante, e abandonar a ideia de que apenas pessoas ungidas por movimentos sociais têm legitimidade para falar sobre mudança política e democracia. A esquerda também precisa valorizar jornalistas, influenciadores e jovens que atuam de forma independente e bancam seu próprio trabalho.
Fiquei chocado ao ver influenciadores com 700 mil, 1 milhão de seguidores relatarem que, mesmo quando seus conteúdos viralizam e defendem parlamentares de esquerda ou o próprio Lula, sequer recebem uma curtida ou um compartilhamento dessas lideranças.
Parece que esquecem que a vitória de Lula não veio da esquerda tradicional, mas do anti-bolsonarismo — e com margem estreita, de menos de 2 milhões de votos. Muitos desses eleitores já são anti-Lula, assim como são anti-Bolsonaro.
Um exemplo: Bolsonaro não fez nem perto do que o PT fez pelos evangélicos. Foi o governo petista que criou o Dia Nacional da Proclamação do Evangelho, o Dia do Evangélico, o Dia da Marcha para Jesus, além de projetos de liberdade religiosa. Por que não se comunica que, na prática, o verdadeiro presidente dos evangélicos é Lula? Bolsonaro representa tudo o que a igreja prega contra, ele é próprio anticristo e mesmo assim consegue ter projeção nesses espaços. E estamos falando de 35% do eleitorado.
Quem são os influenciadores da esquerda? Quem é o “Nikolas Ferreira” progressista? A impressão é de que cada um está preocupado apenas com seu próprio nome.
Digo tudo isso como um antibolsonarista radical: Gleisi, Lula, abram os olhos e mudem a estratégia. Muitos aliados estão ficando pelo caminho, cansados, enquanto a direita derrama dinheiro em fake news e contra-ataques, fazendo barulho com uma carroça vazia.
O PODER É O TESÃO DOS VELHOS
Estamos próximos do horizonte de eventos — aquele ponto sem volta de um buraco negro. Nunca vi energia mais poderosa do que o poder. Ele é o verdadeiro tesão dos velhos: vale mais que dinheiro e consome quem o busca. Bolsonaro investe tudo em busca do poder.