As palmadas morais de Raduan Nassar no lugar onde Roberto Freire guarda seu intelecto. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 17 de fevereiro de 2017 às 15:53

 

Na manhã de sexta-feira, dia 17, o escritor Raduan Nassar recebeu o Prêmio Camões, o mais importante da literatura em língua portuguesa, pelo conjunto de sua obra.

Na cerimônia, realizada em São Paulo, o autor de “Lavoura Arcaica” fez o que se espera de um intelectual corajoso: denunciou o golpe.

O ministro da Cultura, Roberto Freire, ainda tentou uma pegadinha. Escalou Nassar para abrir os trabalhos, prevendo que viria chumbo, de modo a ele ficar por último. Batata (leia o pronunciamento abaixo).

O vexame foi inevitável. Freire, descontrolado em sua soberba e ignorância, mais um “notável” num governo vagabundo, sem qualquer legitimidade para o cargo, foi vaiado pela plateia, com quem bateu boca.

O melhor que conseguiu foi sugerir que Raduan não deveria aceitar o prêmio de 100 mil euros por ser um “adversário” — como se ele outorgasse a premiação, e não um júri de Brasil e Portugal — e que não estamos em uma “ditadura”.

Ouviu do professor Augusto Massi: “Acho que você não está à altura do evento”. Obviamente que não está. Resta-lhe procurar consolo em José Serra, que o inventou, enquanto não cai — se Serra não tiver mais o que fazer.

Eis o discurso de Raduan Nassar na íntegra: 

Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.

Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.

Portanto, Sr.Embaixador, muito obrigado a Portugal.

Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.

Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.

Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.

Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.

Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.

Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas.

É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.

O golpe estava consumado!

Não há como ficar calado.

Obrigado