
Em maio de 2006, São Paulo sofreu ataques em série, quase diários, contra delegacias, policiais, viaturas, cadeias, fóruns, prédios públicos, ônibus. O PCC saía pela primeira vez às ruas, depois de comandar rebeliões nas prisões.
Foi a reação à decisão do governo, conduzida pela Secretaria de Administração Penitenciária, de transferir 765 presos para a penitenciária 2 de Presidente Venceslau, uma unidade de segurança máxima no interior.
Entre os presos, uma figura surge e fica logo famosa, porque seu nome passa a ser repetido a partir de então: Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder do Primeiro Comando da Capital.
Houve rebeliões em 74 penitenciárias do Estado. A bandidagem se espalhou pela cidade a mando de Marcola. O governo foi para o enfrentamento. Bandidos e policiais matavam e morriam. O comércio fechou, os ônibus não circulavam, os paulistanos fugiram das ruas.
Morreram 564 pessoas e 110 ficaram feridas entre os dias 12 e 21 de maio. Mataram-se em confrontos de faroeste, que resultavam principalmente em execuções. Dos mortos, 505 eram civis, que a polícia dizia serem bandidos, e 59 eram agentes públicos, a maioria policiais.
E como conseguiram estancar a matança? Com uma negociação com os bandidos. O governador era Claudio Lembo (do extinto Democratas), o vice que assumira o Estado porque Geraldo Alckmin decidira concorrer à presidência da República.

Lembo é informado de que uma advogada poderia negociar o fim da mortandade e das rebeliões. No dia 14 de maio, ele autoriza um grupo a ir a Presidente Venceslau para conversar com Marcola.
Um avião da PM leva um grupo da área de segurança e a advogada Iracema Vasciaveo, diretora jurídica da ONG Nova Ordem, que defendia presos. Os ataques cessam e cria-se uma controvérsia sobre a decisão do governo de ceder aos bandidos. E ceder o quê?
Ceder no sentido de assegurar que eles não sofreriam maus tratos e que o governo não adotaria medidas de represália em reposta aos ataques e às mortes.
Muito se debateu, tempos depois, se a negociação havia mesmo sido feita. E foi. Eu conversei com a advogada logo depois da reunião com Marcola.
Num tempo em que as conversas ainda aconteciam por telefone fixo, tive a sorte de ligar e, passando por pelo menos meia dúzia de pessoas, chegar aonde Iracema estava.
A entrevista com a advogada que parou a matança foi publicada por Zero Hora. Me lembro que, naquela época, Marcola ainda era chamado por parte da imprensa – como eu o identifiquei no texto – como Camacho.
A advogada contou que havia sido procurada por familiares dos presos transferidos, entre os quais parentes de Marcola. A proposta era: assegurem que eles não sofrerão torturas, e a onda de violências terá fim.
Foi o que aconteceu. Pode acontecer de novo agora, quando os paulistanos temem morrer com os ataques a pedradas a ônibus, numa cidade entregue aos bandidos?
Poderia, dizem os entendidos em segurança e delinquência, se houvesse um comando único, como havia em 2006. Mas os atiradores de pedras aparentemente não têm um, mas vários líderes.
A polícia de Tarcísio de Freitas e do secretário de Segurança, Guilherme Derrite, não sabe identificá-los, apesar de saber que são ligados às máfias com conexões com o transporte coletivo.
Conto essa história de novo para que fique claro: em algum momento, há negociação com bandidos, mafiosos e facções. Como pode ocorrer agora, com as negociações do Brasil diante dos ataques dos neonazistas americanos.
(Quem quiser saber mais ou relembrar aquele inverno de 2006, que acione o link logo abaixo, de reportagem de Elaine Patrícia Cruz, de 10 anos atrás, na Agência Brasil)