“As pessoas não entendem quanto pesam 50 centavos a mais em cada passagem”

Atualizado em 3 de fevereiro de 2015 às 10:11
"Não estamos poupando o governador Alckmin de maneira nenhuma"
“Não estamos poupando o governador Alckmin de maneira nenhuma”

Heudes Cássio da Silva Oliveira é um jovem negro de 17 anos e um dos novos rostos do Movimento Passe Livre nos atos que pedem a diminuição do preço das passagens. Ele estuda na Escola Estadual Fernão de Paes, que fica no bairro de Pinheiros em São Paulo.

Encontrei-o em diferentes ocasiões, sendo que ele fez parte de várias negociações com a Polícia Militar para tentar garantir alguma segurança aos manifestantes durante os protestos.

Durante o 5º Ato do MPL, conversei com ele antes da repressão policial que ocorreu dentro da estação de metrô Faria Lima, cujas bombas fizeram pessoas e até PMs passarem mal em um local fechado.

No ato seguinte, os manifestantes percorreram a avenida 23 de Maio até o Parque do Ibirapuera e terminaram pacificamente na frente da casa do prefeito Fernando Haddad, sem repressão policial. O problema é que o MPL é constantemente acusado por militantes petistas por pesar nas críticas ao prefeito e aliviar para o lado do governador tucano Geraldo Alckmin.

Nós fomos ouvi-los. Heudes deu um balanço sobre os principais acontecimentos dos protestos e disse que o Movimento Passe Livre está ajudando um ciclista de 22 anos que levou um tiro de bala de borracha na altura do olho direito. Não identificado a pedido dele, o jovem não sabe se ele recuperará a visão.

Militantes do PT dizem que o MPL critica demais o prefeito Haddad, mas acaba poupando o governador tucano Geraldo Alckmin. O que você acha disso?

Eu acho que essas pessoas não entendem o quanto pesam 50 centavos a mais em cada passagem, e de repente podem achar normal pagar quatro reais. O prefeito Fernando Haddad ainda contratou uma auditoria, uma empresa para calcular os gastos do transporte público e evitar novos aumentos. Ele faz isso e depois aumenta a passagem? Isso não faz sentido pra mim.

Não estamos poupando o governador Alckmin de maneira nenhuma, porque havia cartazes contra ele no protesto e nós estamos tentando alertar para todos os problemas que a polícia dele está nos causando durante os atos. No entanto, criticar também o prefeito não significa deixar de falar sobre toda essa lógica do Estado para defender a tarifa e o sistema de transportes, que é bom para as empresas e péssima para o usuário final.

Eu acho que a gente tem que falar mal das ações deles sem tratar cada um de forma diferente, porque a tarifa subiu para 3,50 tanto para o ônibus quanto para o metrô.

Ficamos sabendo que Haddad pode até diminuir a frota de ônibus. No fundo, os apoiadores do prefeito não querem de verdade o passe livre nos transportes e até acham correto pagar a tarifa no patamar em que ela está. Não é esta posição que é defendida pelo Movimento Passe Livre em seus protestos.

Tenho a impressão que os atos de 2015 estão se esvaziando em relação aos de 2013. O que você acha disso?

Os nossos protestos estão diminuindo, mas estamos persistindo na luta pela redução das passagens da mesma forma. O problema é que as pessoas estão ficando cada vez com mais medo de ir às ruas.

O governo está tentando sufocar a nossa luta e falta um diálogo maior com toda a sociedade. As pessoas estão tendo como resposta a repressão pura e simples, mesmo quando não reage e mesmo quando se manifesta pacificamente.

O primeiro ato teve uma repressão muito forte da polícia, com muita gente machucada. Desde então, o comportamento da PM não mudou e eles continuam complicando a situação de quem quer ir pra rua. A gente pretende fazer mais atos com outros coletivos ligados ao transporte público para ampliar o que já estamos fazendo. Precisamos nos unir mais para ganhar mais força.

Heudes, eu tenho notado que o Movimento Passe Livre tem conversado cada vez mais com os outros coletivos para evitar que a violência parta dos manifestantes. Isso é verdade?

Sim, e a polícia não quer que a gente se manifeste, né? Desde o primeiro ato, a ordem deles é que a gente não chegue até a Paulista. E eles não deveriam ficar palpitando no trajeto que a população quer fazer, mas eles tentam fazer isso. É da PM que está partindo a repressão e o tumulto, o que causa revolta.

Qual dos atos teve a pior repressão até agora?

O segundo protesto e o último foram difíceis, mas acho que nenhum foi tão pesado quanto o primeiro, quando nos impediram de chegar à Avenida Paulista com muitas bombas. Foi pesado em termos de repressão mesmo, com 51 detidos e muita gente ferida. No entanto, o quarto ato também foi pesado com uma pessoa que chegou a ser ferida com golpes de skate dados pela Polícia Militar.

O MPL chegou a conversar com um rapaz de 22 anos que tomou tiro de bala de borracha no olho esquerdo durante o segundo protesto? Dizem que ele pode ficar cego.

O Movimento Passe Livre chegou a conversar com ele, e estamos dando um suporte na medida do possível. Estamos acompanhando onde ele precisa fazer exames para se recuperar. A gente pede que ele descanse e não vá às manifestações por enquanto. Nossa ajuda é para prestar solidariedade neste momento de dor da forma que a gente puder contribuir.

O que vocês acham do passe livre estudantil proposto pelo prefeito Fernando Haddad para estudantes de escolas públicas?

Ele é muito restrito, limitado a viagens locais e só estudantes. E tem a questão: e o aluno que é de Taboão [da Serra], Osasco ou Embu das Artes e estuda em São Paulo? Não vai ter direito porque ele mora fora da cidade, mesmo estudando nela. É um projeto muito restrito, que não beneficia quase ninguém.

Este tipo de passe livre da prefeitura foi realizado sem nenhuma consulta com a população. A ideia acaba servindo mais aos empresários do que ao povo, meio que para compensar o aumento final das tarifas.

A Prefeitura fala em 505 mil estudantes beneficiados pelo passe livre, 360 mil de escolas públicas e 145 mil das particulares, aqueles que recebem ProUni ou Fies. Não é muita gente?

Acredito que este passe é uma conquista da luta dos trabalhadores e usuários, mas é muito restrito no trajeto casa-escola e escola-casa. Mas ninguém estuda apenas na escola e o prefeito Fernando Haddad foi Secretário da Educação. Ele não aprendeu que as pessoas também estudam fora da escola? Se um professor pedir ao aluno para ir ao cinema, ao teatro e ele não tiver o dinheiro, não muda nada. E o Movimento Passe Livre se mantém lutando por um transporte gratuito para toda população, seja trabalhador, desempregado ou até as crianças.