Publicado no Jornal GGN
Por Luis Nassif
O Ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal é um defensor da liberdade de imprensa. Quando a Lei de Imprensa foi revogada, foi o único Ministro a alertar que deixaria sem parâmetros os juízes, para julgar ações contra a imprensa. Ou seja, admitiu que se criara um vácuo.
Sua defesa da liberdade de imprensa o levou a defender a liberdade de um autor gaúcho de publicar livros pró-nazismo. Em outras peças, produziu textos antológicos:
“Quando somente a opinião oficial pode ser divulgada ou defendida, e se privam dessa liberdade as opiniões discordantes ou minoritárias, enclausura-se a sociedade em uma redoma que retira o oxigênio da democracia e, por consequência, aumenta-se o risco de ter-se um povo dirigido, escravo dos governantes e da mídia, uma massa de manobra sem liberdade”.
Em nome dessa liberdade, ao longo de sua carreira tomou série de medidas polêmicas, sem receio da impopularidade.
De minha parte, como jornalista, sempre procurei o contraponto. Nos anos 90 investi contra a unanimidade da mídia, e dos leitores, em um episódio polêmico, defendendo uma juíza que não acatara a sede de sangue geral, que exigia que crucificasse três rapazes que cometeram um crime rumoroso, em um momento impensado. Ir contra a maré não era tarefa fácil, mas não vacilei. Poderia ter meramente ficado de fora, já que o assunto não me dizia respeito. Mas enfrentei a turba. A juíza, em questão, era a esposa de Marco Aurélio de Mello, que eu não conhecia.
Ontem, Marco Aurélio julgou uma reclamação contra a censura imposta a 11 matérias do GGN, versando sobre caso de interesse público – a denúncia de uma licitação manipulada da Zona Azul em São Paulo. A censura foi de um juiz de 1a instância em uma ação proposta pelo BTGF-Pactual.
A licitação envolve a quantia de cerca de R$ 500 milhões. Há a possibilidade de receitas acessórias (adicionais) na casa dos bilhões. A censura mereceu o repúdio da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), da Associação Nacional dos Jornais, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, do Instituto Vladimir Herzog, de políticos, jornalistas, personalidades de vários espectros.
Foi feita a reclamação ao STF pelo advogado Cláudio Pereira de Souza Neto, com Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), sustentando que a decisão descumpria recomendações do Supremo contra a censura.
O caso caiu com Marco Aurélio, que rejeitou alegando que nada tinha a ver com a revogação da Lei de Imprensa.
A Lei de Imprensa deixou um vácuo. Essa foi a opinião do único Ministro que discordou da revogação pura e simples da lei, o próprio Marco Aurélio. Na ocasião, o Ministro que propôs a extinção da Lei de Imprensa, Ayres Brito, sustentou que não existiria vácuo, já que a Constituição prevê expressamente a liberdade de informação. Parecer recente do jurista Lenio Streck corrobora essa interpretação de Ayres Britto.
Para que não exista vácuo, no entanto, é preciso que o STF regule a questão. Justamente a posição defendida por Marco Aurélio na ocasião. No seu parecer, no entanto, sustenta que a Lei de Imprensa previa apenas a censura administrativa do Executivo, não a censura baseada em decisões judiciais.
Ao ignorar outras formas de censura, Marco Aurélio esquece os fatos, justo ele que sempre se caracterizou por julgar casos com base nos fatos, e não em interpretações genéricas do espirito das leis.
Para permitir a continuidade da censura ao GGN, invocou o seguinte precedente: uma ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando uma ausência de lei em Indaiatuba regulando uma condenação de R$ 3 mil da Fazenda Pública.
Não se pode negar que é um precedente à altura da decisão tomada por Marco Aurélio. Graças à prefeitura de Indaiatuba, o leitor continuará sem o direito de conhecer o conteúdo das 11 matérias censuradas e os gestores públicos não serão alertados sobre as grandes operações com grandes bases de dados públicas.
O caso, agora, vai ser apresentado à 1a Turma, já que Marco Aurélio não tem o hábito de atrasar no encaminhamento de suas ações.