As urnas eletrônicas são mesmo seguras?

Atualizado em 4 de novembro de 2014 às 17:59

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Dessa vez o PSDB tem razão. O resultado de uma eleição precisa poder ser conferido. Estranho é o silêncio de Marina e dos institutos de pesquisas, atropelados numa arrancada por fora de Aécio que os deixou comendo poeira de uma hora pra outra. A discrepância entre as previsões das pesquisas no primeiro turno e o resultado obtido por Aécio nas urnas foi espantoso sob todos os aspectos, mas ninguém reclamou até agora.

Nem Marina, nem o PT, nem o Ibope e o Datafolha, nem muito menos Aécio, é claro.

Embora seja oportuna, a reclamação do PSDB está tão atrasada que cheira a oportunismo. O engenheiro de segurança de sistemas Amilcar Brunazo – professor da Poli-USP, fiscal do PDT e crítico de primeira hora da segurança das urnas eletrônicas – acompanha o processo de geração e instalação dos programas oficiais contidos nas urnas desde o ano 2000. Nesse tempo todo ele nunca encontrou ninguém do PSDB interessado no assunto. O professor Pedro Rezende da UnB, revelou que se recusa a votar nas urnas brasileiras por motivos de segurança e o professor Pedro Aranha, da Unicamp, criou o site Voce Fiscal para possibilitar a fiscalização popular dos votos registrados em cada urna. Todos eles fazem parte do CMind, um comitê independente de análise e fiscalização do voto eletrônico no Brasil que a Justiça eleitoral faz questão de desprezar solenemente.

O PDT chegou a notificar o TSE oficialmente sobre seis vulnerabilidades que encontrou nos programas carregados nas urnas. Neste ano o PT não enviou nenhum representante para conferi-los.

No YouTube, o canal humorístico Porta dos Fundos, chegou a ser censurado pela justiça eleitoral por causa de uma piada sobre as urnas eletrônicas. Ao mesmo tempo, o PDT denunciou que uma das vulnerabilidades estava na porta dos fundos das urnas.

O problema estava no Inserator, um dos milhares de programas inseridos nas urnas eletrônicas que nem o TSE soube explicar pra que servia. O Inserator é um produto da Modulo, uma empresa de segurança de sistemas que atende bancos e a Receita Federal. Ela está na origem tanto da declaração de imposto de renda pela internet quanto do voto eletrônico. A relação entre segurança bancária e voto eletrônico no Brasil é profunda. A Diebold, empresa americana que fabrica as urnas eletrônicas também é do ramo. E até a propaganda da Justiça Eleitoral compara a segurança das suas urnas com os cofres de banco.

Vamos imaginar o seguinte: você faz um depósito num caixa eletrônico e a máquina não emite o recibo. Você reclama pro gerente do banco e ele retorna dizendo que o departamento de informática do banco não localizou qualquer depósito seu. É exatamente assim que funciona a Justiça Eleitoral e suas maravilhosas máquinas de votar. Se der pau e você reclamar, quem vai decidir quem tem razão é o departamento de informática do TSE, que projetou, comprou, programou e instalou as urnas. A nossa Justiça Eleitoral reúne poderes executivos, legislativos e judiciários. Ou seja: tem o poder de julgar a si mesma.

O PT é contra a verificação por um motivo simples: ele ganhou a eleição. Mas qual a garantia que tem de que daqui a quatro anos não estará na mesma situação do PSDB hoje? E o PSB, por sua vez, por que nunca reclamou da derrota massacrante para Aécio, contra todas as previsões dos institutos de pesquisa?

Afinal de contas, somos bombardeados por pesquisas dia e noite durante meses a fio antes das eleições para no final descobrirmos que elas não servem pra nada? E como elas conseguem se recuperar tão rapidamente e acertar na mosca vinte dias depois? São muitas interrogações de uma vez só e todos temos o direito de ter certeza. Eu, você, Aécio, Dilma e Marina. A Justiça Eleitoral brasileira se orgulhar de ser a fiadora da “verdade eleitoral” no país. Mas será que ela está conseguindo como promete na propaganda que faz de si própria, paga com o nosso dinheiro?

Para responder a tantas interrogações, é preciso recorrer ao fio de Ariadne. Graças a esse presente que recebeu da filha do rei Minos, Teseu conseguiu escapar do labirinto de Dédalo em Creta. A resposta está no ponto de partida.

A Fundação Konrad Adenauer publicou neste ano um caderno de estudos sobre a Justiça Eleitoral em que a professora Tereza Cristina de Souza Cardoso Vale comenta que as fraudes eleitorais atravessaram toda a colônia, o Império e a República Velha. As velhas oligarquias sempre dominaram os cadastros eleitorais, as eleições e a contagem de votos. Durante o Império as mesas eleitorais eram ocupadas por juízes, mas nem isso evitava as fraudes. Foi assim que surgiu a expressão “eleição a bico de pena”. Antes e depois da revolução de 30 a preocupação com o controle do voto pelas oligarquias era grande.

A Aliança Liberal assumiu o poder prometendo acabar com essa farra e a Justiça Eleitoral foi instituída por Getúlio junto com o primeiro Código Eleitoral do país, promulgado alguns meses antes da revolução de 1932, quando os paulistas já preparavam suas trincheiras na Mantiqueira. Foi ai que ela adquiriu a capacidade de controlar o processo eleitoral inteiro, desde o cadastro dos eleitores até a declaração dos eleitos. Isso vai fazer uma diferença enorme, que nós sentimos até hoje. A primeira eleição promovida pela Justiça Eleitoral foi a de maio de 1933. Ela nasceu com a força dos revolucionários de 30 renovada pela vitória de 32, sobreviveu à própria inutilidade durante todo o Estado Novo, quando foram extintos os partidos, e renasceu em 1945 ao ser incorporada ao poder Judiciário brasileiro, repetindo a estrutura da Justiça Federal. É por isso que temos um TSE e um TRE em cada estado. E foi mantida intacta durante toda a ditadura. Ainda que não houvesse liberdade política nem eleições para os cargos executivos, o cadastramento de eleitores continuou sendo feito regularmente.

É esse acumulo de poderes que explica o autoritarismo com que o voto eletrônico foi implantado no Brasil em apenas cinco meses, sem maiores contestações – do PSDB ou de quem quer que seja, além da comunidade científica – a partir de um projeto de lei de iniciativa dos próprios ministros da Justiça Eleitoral, encaminhado pelo senador tucano mineiro Eduardo Azeredo – hoje mais famoso pelo seu envolvimento no mensalão mineiro do que pela paternidade das urnas de que seu partido desconfia. Azeredo fez carreira como engenheiro de sistemas, presidiu o Serpro e a Prodemge entre vários outros cargos executivos na indústria de informática. Foi governador de Minas e, em 2003, apresentou o projeto de lei que tornou definitivo o “registro digital do voto”, no lugar do voto impresso. Ou seja, tornou impossível a recontagem de votos que seu partido agora exige.

Enfim, o PSDB tem razão ainda que não tenha memória. É preciso conferir o resultado das urnas, sempre. Do primeiro e do segundo turnos e dos governos estaduais, dentre os quais Geraldo Alckmin alcançou um récorde histórico mergulhado na secura das represas do Estado e num mar de acusações de ineficiência e corrupção. Para isso, é preciso que o Congresso aprove e a Justiça cumpra leis que garantam aos eleitores brasileiros comprovar o destino de seus votos. A história da Justiça Eleitoral, porém, demonstra que manda quem pode, obedece quem tem juízo. Se o poder realmente emana do povo e em seu nome é exercido, somente a reforma política por uma Constituinte especialmente eleita pra isso pode dar conta do recado. A fraude eleitoral não foi extinta, apenas a possibilidade de comprova-la é que deixou de existir.