Por Wadih Damous, advogado e ex-deputado federal pelo PT
O ex-presidente Lula foi o mais emblemático dos cidadãos perseguidos pela tristemente célebre Operação Lava Jato. Emblemático não só por ser o mais conhecido e midiático, mas também por se constituir no estuário de todas as medidas arbitrárias, abusivas e ilegais possíveis e imagináveis encetadas pela turma de Curitiba.
Em 22 de abril, o Supremo Tribunal Federal lhe fez justiça. O Plenário da Corte formou maioria irreversível para considerar suspeito o ex-juiz Sérgio Moro na condução dos processos que envolviam o ex-presidente, por sua aberta e indecorosa parcialidade.
A decisão do Supremo foi saudada por todos aqueles que nutrem apreço, ainda que mínimo, aos postulados do Estado Democrático de Direito. Foi um tiro certeiro, porém insuficiente para matar e sepultar o lavajatismo.
Sim, a Lava Jato foi extinta, mas o seu legado de arbítrio continua vivo e impregnando a conduta prática de importantes segmentos do Judiciário, Ministério Público e órgãos de controle como a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União.
O método notabilizado por Sérgio Moro de usar o processo como arma de guerra e de perseguição política em aberta hostilidade à Constituição e ao devido processo legal continua sendo adotado pelos segmentos antes apontados. Pode-se até falar – algo jocosamente – de um modus operandi de manejo deturpado do ordenamento jurídico.
Essa prática, esse modus operandi se abateu com toda a sua carga de arbítrio sobre alguns personagens conhecidos (como o Presidente Lula), do mundo empresarial e da política – fossem culpados ou fossem inocentes – com alarde e estrepitosa publicidade. O objetivo era promover um verdadeiro linchamento moral e facilitar a propensão condenatória do juiz.
Mas também se abateu sobre outras pessoas não tão conhecidas, cuja perseguição não produzia manchetes de jornais ou, quando muito, apenas algumas linhas em espaço menos nobre.
São as vítimas esquecidas do lavajatismo. Uma espécie de “segundo escalão” de perseguidos, mas com uma carga igual de sofrimento e de sentimento de injustiça. O Almirante Otton, o mais importante cientista nuclear brasileiro, pode ser mencionado nessa lista.
E devo aqui mencionar também o nome de Wilson Santarosa, ex-gerente de comunicação institucional da Petrobras durante quase uma década.
Santarosa tornou-se alvo dos procuradores federais que atuam no TCU. Responde a um processo administrativo que investiga um patrocínio social da Petrobras, de 2006, que beneficiava uma ONG baiana que trabalha para melhorar a vida de catadores de papel.
Ou seja, o fomento a cooperativa de catadores de papel, que retiram do lixo o sustento de sua sobrevivência, foi criminalizado. Wilson Santarosa foi acusado de não exigir e fiscalizar a prestação de contas.
O procurador responsável pela apuração do caso não se deu ao trabalho de se pronunciar sobre as informações prestadas pela Petrobras. Limitou-se a afirmar que a empesa não apresentou justificativas de forma clara (sic).
O modus operandi se mostrou com os ingredientes de praxe: inversão do ônus da prova; presunção de culpa; desprezo pelas alegações da defesa. Não apresentar justificativas de forma clara virou uma espécie de tipo penal não codificado.
Até mesmo os pareceres das equipes técnicas da Controladoria-Geral da União, que concluíram pela inexistência de qualquer irregularidade, foram ignorados.
Santarosa não foi investigado no âmbito da Lava Jato, no entanto os procuradores do TCU orgulhosamente mencionaram no item 187 de seu extenso relatório: “Tal conclusão também se baseia na abrangência das fraudes e desvios que ocorreram no âmbito da Petrobras”. Admissão explícita do sentimento lavajatista que inspirou as respectivas condutas.
Afinal de contas, Wilson Santarosa embora não seja uma “celebridade” da política ou do mundo empresarial é sindicalista, petista e amigo do Lula.
Diante disso, um hipotético narrador de futebol indagaria: pode isso, Arnaldo? Ao que o consultado responderia: a regra é clara! No morus operandi não existe impedimento. Aliás, não existe regra!
O lavajatismo é um dos pilares fundamentais do estado de exceção e por isso deve ser combatido por todos aqueles que se propõem à tarefa de reconstruir o Estado Democrático de Direito.