Assessores de Damares na greve dos PMs do Ceará. Pode? Por Marcelo Auler

Atualizado em 9 de setembro de 2020 às 16:10
Sérgio Queiroz e Damares Alves (Foto: reprodução do site do MDH)

PUBLICADO NO BLOG DE MARCELO AULER

POR MARCELO AULER

Na insurreição dos policiais militares do Ceará, que são facilmente associados a milicianos, há um movimento insuflando a insubordinação. Isto é público. O que pode parecer estranho, porém, é a participação de assessores diretos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) na defesa de tais manifestantes. Dois deles estavam, na quarta-feira (20/02), ao lado do deputado federal e pré-candidato a prefeito de Fortaleza, Capitão Wagner (Pros), na tentativa frustrada de uma audiência com o governador Camilo Santana (PT), para “mediar os interesses da categoria”, como noticiou o jornal cearense O Povo. O governador não recebeu o grupo.

A notícia da presença destes dois assessores de Damares Alves aparece perdida no meio de uma reportagem do mesmo jornal na qual o Capitão Wagner tenta sustentar o insustentável. Alega que os tiros dado no senador Cid Gomes (PDT) foram legítima defesa – Wagner diz que tiros em Cid foram “legítima defesa” e pretende registrar B.O contra senador. Na reportagem consta o que destacamos na ilustração abaixo.

“Estavam com Wagner o secretário nacional de Proteção Global, Sérgio Queiroz, o diretor de Proteção e Defesa de Direitos Humanos, Herbert Barros, ambos vinculados ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e os deputados federais Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) e Major Fabiana (PSL-RJ)”.

Já soa estranho a presença, em Fortaleza, de uma deputada do PSL do Rio de Janeiro, Major Fabiana, em pleno dia de funcionamento do Congresso Nacional. Estava ali para defender policiais militares como ela. Apesar de eles estarem amotinados, promovendo a insegurança pública e descumprindo a Constituição que impede movimentos grevistas dos servidores que recebem armas do governo para defender a população. Porém, parece mais inexplicável a participação nesta movimentação de dois servidores públicos federais, cujas funções, aparentemente, são de defender os Direitos Humanos.

Certamente alegarão que estavam negociando uma solução pacífica. Defendendo o Direito Humano dos policiais militares amotinados e seus familiares. Alegação que dificilmente fará sentido quando se percebe que ambos acompanhavam o deputado Capitão Wagner.

Afinal, o passado deste capitão registra outros atos de insubordinação da polícia militar. Foi o líder do movimento de paralisação da Polícia Militar e Bombeiros no Ceará, no final de 2011 e início de 2012. Na época, já tinha concorrido a deputado estadual pelo Partido da República. Sem falar que, como todo o povo cearense sabe, está em campanha aberta pela prefeitura de Fortaleza.

Mais estranha ainda a presença em Fortaleza de Queiroz, um pastor evangélico e procurador da Fazenda Nacional licenciado desde que assumiu o cargo no MDH. Pois, na mesma quarta-feira em que ele se juntava ao deputado Capitão Wagner, anunciou-se que não mais atuará no ministério em que se encontra. Como registrou Eduardo Barreto, na Revista Época, o passe” do servidor foi requisitado por Onyx Lorenzoni, para lhe auxiliar no Ministério da Cidadania.

Queiram ou não, a presença, em Fortaleza, na quarta-feira, destes dois servidores federais – Queiroz e seu subordinado, Barros -, junto a políticos que defendem policiais militares que estavam praticando atos contrários à Constituição e relacionados às atividades de milicianos, só aumenta a convicção de muitos que o  governo de Bolsonaro insufla as milícias. Tal e qual fez no Rio de janeiro ao longo de sua carreira parlamentar. Inclusive com seu filho, o hoje senador Flavio Bolsonaro, empregando parentes de milicianos em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – ALERJ. Mais ainda, visitando milicianos presos, como ocorreu com o ex-capitão Adriano Nóbrega e foi noticiado pelo O Globo, nesta quinta-feira (20/02) – Flávio Bolsonaro visitou ex-PM Adriano Nóbrega na prisão, diz vereador.

Não se deve perder de perspectiva que os policiais militares insubordinados que foram enfrentados pelo senador Cid Gomes (PDT, em Sobral, município distante 230 quilômetros de Fortaleza, promoveram o tumulto típico de traficantes e milicianos.

Ameaçaram comerciantes, obrigando-os a fecharem suas lojas. Como noticiou o G1-Ceará, na tarde de quarta-feira – Homens encapuzados em carro da PM ordenam, e comerciantes fecham as portas em Sobral. Levaram o pânico à cidade de 147 mil habitantes.

Todos encapuzados, como encapuzados estavam os policiais amotinados no quartel usando seus familiares como escudo. Velha e conhecida tática que Bolsonaro já usou quando promovia protestos de familiares de militares por aumentos salariais. Mas o movimento dos policiais militares no Ceará, por tudo o que se viu, não era apenas reivindicatório. Soou como atentatório à ordem.

Como ocorreu no Rio de Janeiro e foi muito bem lembrado por seu irmão, o também ex-governador Ciro Gomes, ao responder às críticas do deputado Eduardo Bolsonaro: “Será necessário que nos matem mesmo antes de permitirmos que milícias controlem o Estado do Ceará como os canalhas de sua família fizeram com o Rio de Janeiro”, escreveu Ciro nas redes sociais.Pode-se criticar a atitude de Cid Gomes e até classificá-la de tresloucada, insana. Mas não deixa de ter sua boa dose de coragem. Afinal, de peito aberto e desarmado, ele enfrentou a insubordinação antes que as milícias dominem a polícia cearense.

Um enfrentamento que a sociedade brasileira precisará promover, caso não queira ser totalmente dominada. Não necessariamente pegando em armas. Mas há que se descobrir formas de evitar que a democracia brasileira descambe para a barbárie, como pregam os Bolsonaros e foi muito bem lembrado por Ricardo Bruno, no Brasil 247 – A barbárie já começou.

A necessidade do enfrentamento ficou patente nos tiros disparados pelos policiais militares insubordinados dentro do quartel contra Cid Gomes. Demonstram o tipo de movimento que ali nascia e acabou de certa forma abortado, ou paralisado. Nem se alegue que foi legítima defesa, como tenta vender em seu discurso o deputado Capitão Wagner, com a explicação de que o senador iria atropelas mulheres, crianças e militares. Algo que se torna apenas hipótese, sem que se possa dizer que aconteceria.

Hipótese por hipótese, pode-se alegar que se todos sentassem e cruzassem os braços, em atitude ensinada por Mahatma Gandhi, o senador jamais aceleraria a retroescavadeira.

Mas, assim como soa estranho explicar a presença dos assessores da ministra Damares em Fortaleza, também parece ridículo esperar de milicianos atitudes pacíficas. Isso passa longe dos objetivos deles e, pelo que temos visto, ainda mais nos exemplos dos últimos dias, é o que demonstra também o governo Bolsonaro.