Assim não dá pra te defender, Duvivier. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 12 de setembro de 2016 às 15:44
Foi mal
Foi mal

Mesmo existindo Veríssimo e Martha Medeiros, eu sempre disse que o Duvivier era o meu escritor brasileiro vivo predileto. Pelo seu primeiro livro “A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora”, pelo segundo, “Ligue os pontos: poemas de amor e big bang”, (pelos outros dois, também), pelo posicionamento político que sempre me pareceu sensato e responsável, pelo discurso pró-feminismo, pelos roteiros e pelo Porta, que faz o tipo de humor que eu acredito.

Fui em dois ou três eventos só porque ele estava lá. Um dia, peguei uma fila de duzentas pessoas – eu era a 199 – só pra lhe dar um abraço e dizer que a poesia dele conversa comigo. Vi uns vinte vídeos com o argumento de pesquisa “Gregorio Duvivier”, até o YouTube parar de me sugerir música indie e passar a me sugerir as entrevistas dele.

Quando o Porta dos Fundos fez o primeiro vídeo transfóbico, fiquei puta. Eles pediram desculpas e eu respirei aliviada: eles não compactuam com transfobia. Acontece que o vídeo não foi tirado do ar. As travestis e transexuais continuam morrendo no Brasil inteiro e o Porta só pediu desculpas – pra fazer outro vídeo transfóbico algum tempo depois.

Depois o Gregorio – com discurso pró-feminismo e tudo – fez uma infeliz piada machista no lançamento da candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio. “O Rio apanhou mais que a mulher do Pedro Paulo”, disse, referindo-se ao concorrente de Freixo, acusado de violência doméstica.

O pedido de desculpas postado no facebook me desceu pela garganta, mas não sem algum incômodo. Continuei lendo os livros, vendo os vídeos e defendendo o Gregorio nas rodinhas feministas que acusavam-no de esquerdomacho.

“Ele é burguês, mas tem consciência social”; “Ele é branco, mas reconhece e desconstrói o próprio racismo”; “Ele é homem, mas reconhece e desconstrói o próprio machismo;” “Ele critica a Folha na própria Folha;” “Ele anda de bicicleta;” “Ele participa do OcupaMinc;” “Ele é homem-branco-cis-hetero mas é sensível e politicamente engajado.”

Só que não.

A cereja do bolo foi comparar os manifestantes que culposamente mataram um repórter Santiago durante uma manifestação de rua à Polícia Militar de Alckmin, que violenta preto e pobre como quem troca de camisa. “Os delinquentes que mataram Santiago são criminosos. Assim como os delinquentes que mataram Amarildo.”

Não fode, Gregorio.

Todo mundo sabe que quem vai às ruas pela democracia é da paz. Todo mundo sabe que quem mata no Brasil não são as drogas e não são os Black Blocs, quem mata é a polícia. Todo mundo sabe que o Amarildo foi torturado e depois sumiu do mapa. Todo mundo sabe que as intenções dos manifestantes não são as mesmas intenções violentas de uma polícia militar assassina, racista e fascista. Todo mundo sabe que o Rafael Braga foi preso com um Molotov e ainda não está livre – quantas vezes você usou o seu poder de influência para se posicionar sobre isso?

Todo mundo sabe, também, que flores não resolvem nada e que só a desobediência civil é alternativa em um país onde a democracia foi ferida de morte mas não borrou as calças.

Você também sabe de tudo isso, mas ia pegar mal pedir desculpas pela terceira vez nesse trimestre.

Quando acordei e vi que o título da sua coluna – que leio assiduamente – começava com “Desculpe”, pensei que você iria se redimir e dar mais umas porradas na Folha. Mas não. Era só um texto de amor para a sua ex. Uma maneira de fazer com que as pessoas esquecessem que você vacilou e, de quebra, fazer um marketing maroto do seu novo filme.

Lindo o texto, linda a homenagem, lindo o término bem-resolvido, mas: Expor publicamente uma coisa que diz respeito apenas a vocês dois só não vai me parecer extremamente invasivo se a Clarice – que ainda não se manifestou – concordar com a exposição. Caso contrário, é desnecessário, para dizer o mínimo.

Por que, aliás, usar o nome dela, se você tantas vezes escreveu para ela – lindamente, é verdade – mas sem expô-la? Por que, se ela já está namorando e isso pode ser constrangedor? Vale tudo pra divulgar um filme?

Quem avisa amigo é, meu caro: a esquerda está perdendo a fé nas suas boas intenções.

Vídeo transfóbico, piada machista, opinião tosca sobre Black Blocs e texto de auto-promoção em vez de pedido de desculpas: Assim não dá pra te defender.