Publicado originalmente no Brasil de Fato
No último dia 29, o Brasil sofreu mais um exemplo prático da agenda liberal do ministro da economia, Paulo Guedes, quando foi anunciado pelo governo Bolsonaro o contingenciamento de R$ 29,582 bilhões do Orçamento Federal de 2019 para Educação. Com a medida, todas as universidades e institutos federais terão orçamentos reduzidos em 30%. O corte, sob comando do ministro da educação Abraham Weintraub, atinge diretamente as universidades públicas, precarizando ainda mais a situação orçamentária do setor.
Guedes nunca escondeu em seus discursos a opinião de que o modelo de privatização dos serviços e empresas públicas é a melhor saída para o progresso do país, além da realização de cortes em diversas áreas de investimento público do Brasil, incluindo a Educação. Na outra ponta, a irmã do ministro, Elizabeth Guedes, é vice-presidenta da Associação Nacional de Universidades Privadas (Anup), entidade que representa monopólios educacionais, como Anhanguera, Estácio, Kroton, Uninove e Pitágoras.
O envolvimento da família Guedes no setor de ensino privado foi tema de uma reportagem da Agência Pública que mostra que Paulo Guedes possui investimentos no setor educacional privado e a distância, chegando a captar R$ 1 bilhão de fundos de pensão. As ações foram alvo da operação Greenfield, para apurar pagamento de propina nos fundos de pensão.
O setor educacional privado se beneficia diretamente com o sucateamento do ensino público no país, é o que explica Salomão Ximenes, professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC).
“Quem sai ganhando, evidentemente, como sempre, neste tipo de conflito, são os interesses privados, do setor privado de ensino superior, sobretudo o mercado educacional constituído no Brasil, que oferta vagas e matrículas em instituições de baixo custo, mas também de baixíssima qualidade. E essas instituições acabam culpando justamente esse espaço que é deixado pela oferta pública, na medida em que elas visam suprir essa demanda de jovens e adultos por um diploma superior. E a maior lucratividade aqui se encontra na oferta de educação superior à distância”, revela ele.
Ensino a distância
Elizabeth Guedes é forte defensora do ensino a distância nas universidades, o que gerou polêmica no setor por conta da precarização que a modalidade pode causar no ensino.
“Essa migração acontece em todas as áreas e vai acontecer na educação. Já está acontecendo em centros de ponta [na área da saúde], como no [Hospital Israelita Albert] Einstein. Já existem escolas de enfermagem fora do Brasil que são 100% online. Não adianta lutar contra o futuro, ele vai chegar“, afirmou ela em entrevista sobre Ensino à Distância nas Universidades.
Na mesma conversa, Elisabeth também ressaltou que “o setor particular de ensino superior é o que tem mais avançado em qualidade”.
Salomão Ximenes explica que, nos últimos anos, houve um aumento das ofertas de educação a distância e que hoje em dia essa modalidade atende a maior parte das matrículas na educação privada mercadológica.
“Então, é evidente que há um interesse articulado aí em conter a oferta pública, de forma a abrir mais espaço de mercado para essas instituições privadas lucrativas que inclusive tem interesses articulados diretamente dentro do governo federal com uma possibilidade de lobby, de articulação dentro do governo federal bastante forte”.
Ele ainda ressalta que os cortes no ensino superior público vão contra a meta estipulada pelo Plano Nacional de Educação em 2014, que previa que 33% dos jovens entre 18 e 24 estariam matriculados no ensino superior até 2024. Sendo 40% das novas vagas em universidades públicas e gratuitas.
Ainda em 2018, o governo Bolsonaro também já havia declarado intenções de tirar a educação superior da responsabilidade do MEC e passar para a pasta de Ciência e Tecnologia. A justificativa usada é de tirar sobrecarga da pasta para que a educação básica tenha mais atenção. No entanto, especialistas alertam que a mudança interfere negativamente na dinâmica educacional do país.
Além disso, Ximenes também aponta outro aspecto dos cortes: atingir políticas de inclusão social.
“Eu diria que tem dois grandes efeitos imediatos que já começamos a sentir, o primeiro é o efeito de ampliar a evasão dos estudantes, ou seja, o abandono dos cursos. Nos últimos anos, nós tivemos a ampliação do acesso ao ensino superior público no Brasil, que praticamente dobrou o número de vagas nas universidades públicas, e isso foi feito combinado com uma política de cotas sócio econômicas e raciais, que mudou substancialmente o perfil dos estudantes das universidades brasileiras”.
Outro ponto criticado por Salomão é a própria maneira como o corte está sendo feito. Para ele, o chamado contingenciamento de gastos é na verdade um “sequestro” de recursos da educação, na medida em que Guedes menciona que a situação pode ser revertida caso a Reforma da Previdência passe no Congresso.
A reportagem entrou em contato com a ANUP para um posicionamento da entidade sobre os cortes das universidades públicas, mas não obteve retorno até a publicação da matéria.