Ataque de Russomanno a Boulos mostra que apoio bolsonarista, enfim, chegou. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 12 de novembro de 2020 às 0:06

Publicado originalmente na coluna do autor

Por Leonardo Sakamoto

Bolsonaro e Celso Russomanno – Ettore Chiereguini/AGIF

O apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a Celso Russomanno (Republicanos) materializou-se, nesta quarta (11), quando a estrutura de disseminação de desinformação presente no bolsonarismo atingiu seu adversário Guilherme Boulos (PSOL) durante e após o debate UOL/Folha dos candidatos à Prefeitura de São Paulo.

Russomanno acusou o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de contratar empresas de comunicação fantasmas com dinheiro público para a sua campanha eleitoral. A base da “denúncia” é um vídeo postado quando os candidatos já estavam no estúdio do UOL. Ou seja, o deputado federal teve acesso ao conteúdo antes.

E o responsável pelo vídeo, Oswaldo Eustáquio, militante bolsonarista que se apresenta como “jornalista investigativo”, esperava Boulos na saída do estúdio do UOL, o que indica uma armadilha montada contra o psolista.

Eustáquio chegou a ser preso pela Polícia Federal, em 26 de junho, em meio a um inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal que investiga fake news e atos pelo fechamento do Congresso Nacional e do próprio STF.

Russomanno acusa uso de empresas fantasmas; Boulos divulga nomes e endereços

Russomanno disse que as empresas não existem nos endereços. Em nota, a campanha de Boulos afirmou que uma das produtoras, responsável pela comunicação digital, mudou de endereço e não atualizou a informação na Junta Comercial. E informou os dados e endereços da proprietária, a cineasta Amina Jorge.

Outra produtora, segundo a nota, que presta serviços de planejamento e acompanhamento de pesquisas e monitoramento de redes sociais, está na sede informada, mas seus empregados estão trabalhando em home office na pandemia. E afirmou que tem Beto Vasques como um dos sócios.

A campanha de Boulos entrou na Justiça para que o vídeo seja retirado do ar, afirmou que vai processar os envolvidos e diz que o “Gabinete do Ódio de Bolsonaro quer espalhar mentiras e influenciar o resultado das eleições”.

A estrutura do que aconteceu hoje não é nova, mas se repetiu à exaustão na campanha presidencial de 2018, no Brasil, nas campanhas presidenciais de 2016 e 2020 nos Estados Unidos, e na campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016.

Isso segue o modelo de criação de validação de desinformação, que venho estudando há cinco anos como pesquisador, e que está presente no livro que lancei sobre o tema em 2016.

Como uma mentira se torna fato concreto na internet

Em resumo:

1) Um site, página ou perfil de rede social, ou conta no WhatsApp, dispara uma notícia falsa, uma fraude, um boato ou qualquer outro tipo de desinformação, como aconteceu no caso do militante bolsonarista durante o debate.

2) Um “amplificador”, normalmente figura pública, compartilha ou divulga a publicação. Quando a figura pública é cobrada a respeito da origem das informações, noralmente afirma que a fonte é confiável, tanto que a prova é que um monte de gente na rede está falando sobre isso. Como há quem acredite que um número grande de likes e retuítes significa reputação, constrói-se credibilidade em cima de uma mentira pelo número de pessoas que a endossam.

3) Outros sites e páginas continuam a replicar, influenciados pelo “amplificador”. Isso inclui, além de máquinas políticas, veículos de comunicação tradicionais e alternativos. Como bem lembrou um colega, ao reproduzir as aspas de Russomanno de forma acrítica, parte da imprensa contribuiu para a viralização do conteúdo.

4) Após tudo isso, contas nas redes sociais, reais e falsas, passam a replicar a desinformação como se fosse verdadeira, subindo uma hashtag para agregar o conteúdo e transformá-lo em um dos assuntos mais falados do dia. Neste caso, foi #laranjaldoboulos. Para tanto, usa-se impulsionamento pago, apesar de ilegal.

5) Uma informação inverídica, replicada e reproduzida à exaustão, torna-se verdadeira porque é validada coletivamente. Mesmo que o coletivo não tenha sido capaz de parar, respirar, checar e analisar no sentido de validar racionalmente qualquer coisa. E mesmo que o conteúdo não tenha lastro.

6) Para um grupo de pessoas, uma denúncia como essa é verdadeira porque vai ao encontro do que elas acreditam ou desconfiam. Elas se sentem confortáveis porque estão ouvindo o que falariam, como uma câmara de eco.

7) Para outras, pouco importa se a informação é falsa ou verdadeira. Veem aquilo como munição para uma batalha que acreditam estar sendo travada em nome do “bem” (quem pensa como elas) contra o “mal” (quem pensa diferente delas). Por isso, as agências de checagem, que realizam um trabalho civilizatório, têm alcance limitado em alguns grupos.

8) O objetivo com isso não é necessariamente mudar a opinião dos que conhecem Boulos, mas impedir o crescimento dele sobre indecisos e sobre pessoas que estão disposta a mudar de voto – como aqueles que votam em Jilmar Tatto (PT) ou no próprio Russomanno.

9) O problema é que o alcance de um desmentido é bem menor do que a mentira original. Por ser mais sem graça, por ir de encontro às crenças individuais ou por demonstrar que os envolvidos erraram ao passar a mentiras adiante, o desmentido não chega tão longe quando a acusação. E, o pior, tem “cauda longa” porque a internet não esquece.

10) A campanha de Boulos vem a público soltar uma longa nota, com nomes, endereços, valores envolvidos, mostrando que as empresas existem e que prestam o serviço. Divulgam trabalhos anteriores das prodiutoras, alguns dos quais exibidos fora do país. A resposta das redes bolsonaristas é violenta. “Se precisou se justificar é porque tá mentindo”, é o teor de algumas delas. O que importa para muita gente é que ele é de esquerda. E se é de “esquerda” pode até não ter tido culpa nisso, mas alguma culpa tem. E, seguindo a lógica do linchamento (se a turba está contra ele é porque é o culpado), sentam o pau.

Quando o Supremo Tribunal Federal suspendeu as contas de bolsonaristas nas redes sociais, me posicionei contra. Não sou a favor dos métodos deles, nem do que defendem, mas também não sou da censura prévia. E, sim, proteger a democracia é defender direitos mesmo de pessoas das quais discordo.

Mas a democracia também vai ficando menor quando a sociedade permite que a desinformação seja construída à luz do dia, à frente de todos, e mude a percepção de eleitores sobre fatos concretos sem que nada seja feito. O conhecimento adquirido com a experiência de campanhas continua sendo aplicada, mostrando que manter ações eleitorais guardadas na gaveta do Tribunal Superior Eleitoral é um voto a favor dessa derrocada. Há ódio. Mas há método.

É 2020. Mas pode chamar de test drive para 2022.