Na manhã de segunda-feira (27), um adolescente de 13 anos matou uma professora a facadas e feriu outras quatro pessoas na escola Thomázia Montoro, na Vila Sônia (SP). Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, foi esfaqueada pelas costas, sem chance de defesa.
O ataque é fomentado pelo terrorismo de extrema-direita. É o que diz Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em entrevista ao DCM. Esse tipo de violência têm se tornado cada vez mais comuns no Brasil. Tivemos ataques similares em Suzano (SP), Saudades (SC), Aracruz (ES) e Sobral (CE).
Um relatório organizado por Daniel e apresentado durante a transição de governo aponta as principais causas e quais são as soluções que podem ser tomadas para que este tipo de tragédia não se repita no país. Sugere a formação continuada de professores sobre o extremismo de direita e como enfrentá-lo.
A maioria das ocorrências deste tipo tem algumas características em comum: realizados por meninos brancos e heterossexuais, com vítimas usualmente mulheres, além de pessoas negras e LGBT. Segundo Cara, há maneiras de identificar alterações de comportamentos nos jovens, como interesse por assuntos e jogos violentos, atitudes agressivas, uso de expressões discriminatórias, recusa de falar com professoras mulheres e exaltação a ataques em instituições de ensino.
DCM: Quando sentiu a necessidade de incluir esse tema nas escolas?
Daniel Cara: Eu pesquiso violência nas escolas desde o final dos anos 1990. Quando estive na transição governamental ocorreu a tragédia de Aracruz, em 25 de novembro. Diante desse ataque a duas escolas, organizei um grupo de pesquisadoras e percebi que estamos enfrentando um fenômeno mais grave, ainda que se comuniquem: não se tratava mais de violência nas escolas, mas de violência às escolas, ou seja, contra a instituição escolar e contra os membros das comunidades escolares.
Como o relatório pode ser implementado? Quais seus principais desafios?
Ele pode ser implementado imediatamente. E isso deveria ter sido iniciado. Estou muito preocupado com a letargia do MEC e das secretarias estaduais e municipais de educação. O principal desafio é assumir que esses casos estão sob o registro e a cultura do extremismo de direita. Enquanto o Brasil não assumir isso, não vamos vencer essa batalha.
Infelizmente, hoje a gente ainda tem um rescaldo do ataque em relação a tensão da mídia e da sociedade, mas, provavelmente, amanhã, ninguém mais vai lembrar que ocorreu um ataque. A minha angustia não é se vai acontecer um novo ataque é quando vai acontecer.
Quais as dificuldades do governo Lula na área da educação? Já houve algum avanço?
O Ministério da Educação tem sido inoperante, diferente de outras áreas do governo Lula. Gostaria de dizer o contrário. Ajudei a eleger Lula, participei da transição e apoio o governo. Contudo, não posso faltar com a verdade.
Nesses casos em específico, o principal ponto para intervir é fazer um processo de conscientização sobre o extremismo de direita. É enfrentar um problema que não sinto que o governo queira enfrentar. Começou a enfrentar no dia 8 de janeiro, já não tem mais tratado dessa forma.
Não existe extremismo de esquerda que faça qualquer tipo de apologia de ataque e de violência contra outras pessoas. Então precisamos de uma campanha nacional contra esse terrorismo da extrema-direita. Não é uma campanha de combate a direita. As pessoas têm direito a ter sua visão política. O que não pode é essa visão ser pautada com a exclusão do outro ou com o assassinato do próximo.
Em segundo lugar, precisamos ter no Brasil, um trabalho de formação e sensibilização das comunidades escolares, os comportamentos desses jovens são fáceis de serem identificados.
Existe um padrão a ser identificado nesses agressores? Quais os principais alvos?
Os principais alvos são mulheres, pessoas da comunidade LGBTQIA+ e pessoas negras. Além dos alvos, o padrão é a visão masculinista de mundo e a apologia da violência e dos outros agressores.
Se o jovem começa a ter ódio contra as mulheres, não responde professora, diretora, tem desprezo pela mãe e pela irmã temos um ponto. Outra forma de identificar é observando a utilização frequente de comunidades na internet e videogames com apologia a violência, mas que vai pra uma linha de começar a utilizar termos racistas e misóginos. Esses jovens começam a utilizar símbolos neonazistas. Isso tem que ser discutido dentro das escolas e pela família.
Jovens estão a todo momento expostos a conteúdos extremistas difundidos nas redes. Como lidar com a internet? Como proteger alunos, professores e até a própria escola nessa questão?
Esses grupos continuam se organizando. Alguns jovens tratam esse ataque como sendo ato de heroísmo contra a escola, contra as comunidades escolares, contra mulheres. Nós tivemos 17 ataques às escolas desde o início do ano 2000. Desses 17, são 36 mortes e 77 feridos, alguns com alta gravidade. As comunidades escolares estão completamente dilaceradas.
O fato concreto é que o caso de ontem era um caso fácil de ser identificado pelos fóruns de internet. A escola anterior do menino já tinha dito que ele cometeria um ataque. O menino teve, na semana passada, um caso
de racismo. Enquanto a gente continuar jogando o problema para debaixo do tapete, isso nunca vai ser solucionado.
Ele só utilizou arma branca porque não teve acesso a arma de fogo. Ele diz claramente que para ele era um desafio utilizar uma arma branca pra poder garantir, como ele disse no Twitter, uma ‘kill’, ou seja, pra matar
uma pessoa. Você vê que ele utiliza termos do vídeo game.
Existe um aspecto psicológico nesse caso que é a ideia de que esses jovens querem utilizar o espaço da internet e dos vídeo games para mobilizar os ataques, mas é como se eles vivessem o jogo quando estão cometendo os
assassinatos. Então, é preciso regular e monitorar a Internet. Não há outra saída.
O que as escolas e famílias podem fazer para prevenir ataques? Como identificar os sinais?
Para conseguir prevenir e combater esses atentados, sugerimos a formação de familiares, professores e servidores para identificar alterações de comportamentos nos jovens, como interesse incomum por assuntos violentos e atitudes agressivas, recusa de falar com professoras e gestoras mulheres, uso de expressões discriminatórios e exaltação a ataques em ambientes educacionais ou religiosos.
Pais de extrema-direita podem atrapalhar no trabalho a ser feito com os estudantes?
Muito. Mas o problema é mais grave: qualquer familiar que desconsiderar sinais de discurso de ódio e de apologia à violência está criando uma situação de permissividade que pode resultar em atos de violência. Os adultos não podem se eximir de seu papel educador. É difícil? Sim, mas isso é inegociável.
As atitudes do governo Bolsonaro ajudaram no aumento de ataques dessa natureza?
Qualquer permissividade e conivência com os discursos e práticas de ódio colaboram com os ataques. Nesse sentido, o governo Bolsonaro colaborou, certamente. Agora, não agir também colabora e sinto falta de ações efetivas dos governos federal, estaduais, distrital e municipais. Todos têm lidado mal com esse fenômeno.
Quais são os elementos que levam ao aumento de casos de ataques em escolas?
É um fenômeno complexo, mobilizado por muitos fatores e elementos. Contudo, quase invariavelmente começa com frustrações, bullying e outras formas de humilhação e avança para formas covardes de violência. Mas é a partir das frustações, do bullying e das humilhações que adolescentes e jovens ingressam em comunidades de apologia à violência, organizadas sob uma cultura neonazista e fascista.
O ataque pode ser relacionado a escalada ultraconservadora no país?
O ultraconservadorismo facilita ataques, mas antes da escalada ultraconservadora eles já ocorriam. Contudo, o ambiente agora é mais facilitado.
Quais os maiores problemas enfrentados nas escolas em relação à violência?
Hoje é o extremismo de direita, o bullying e as formas de discriminação.
De que maneira o racismo e a misoginia aparecem nos crimes acontecidos no Brasil?
A misoginia é o ethos dos agressores, junto com ela o racismo e a discriminação de orientação sexual e identidade de gênero.
Podemos ver o bullyng como uma peça central desses casos?
É um elemento, mas obviamente não explica e sequer justifica qualquer agressão.
O que os agressores buscam ao atacar as escolas?
Chocar a sociedade, obter atenção e se vingar do espaço dedicado à formação e sociabilização dos jovens. Na prática, é um ataque à sociedade.