Ataques nas escolas viralizaram nas redes do Brasil dias antes de onda começar na vida real

Atualizado em 28 de abril de 2023 às 11:06
Fachadas de instituições de ensino que foram alvos de massacres recentes. (Foto: Reprodução)

Relatório da organização Ekõ mostra também que conteúdo problemático sobre ataques violentos em escolas continua a florescer nas redes sociais, mesmo após compromisso das plataformas com moderação de conteúdos perigosos

Dias antes de um adolescente de 13 anos promover um ataque a faca na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo –o que deixou uma professora de 71 anos morta e outras quatro pessoas feridas, no dia 27 de março– uma onda de publicações com palavras-chaves e termos relacionados a ataques, assim como notícias de ameaças a escolas nas próprias redes, começou a inundar as plataformas da Meta, Facebook e Instagram. Nas postagens é possível ver que ameaças e incitações aos ataques no Brasil já povoavam as plataformas digitais e aplicativos de mensagens antes da atual onda de violência acontecer no mundo real.

É o que mostra novo relatório da organização Ekō (ex-SumOfUs) sobre a responsabilidade das chamadas “big techs” na onda de violência e ameaças que assola as escolas do Brasil neste ano. De acordo com o relatório, as menções a “Columbine” –nome da escola onde aconteceu aquele que é considerado o primeiro massacre em escola e referência obrigatória para o fandom desse universo, nos Estados Unidos em 20 de abril de 1999– e “ataques a escolas” surgiram e cresceram exponencialmente nas duas plataformas a partir de 19 de março, portanto cerca de uma semana antes do ataque do dia 27 de março ocorrer na escola em São Paulo.

O relatório estabelece uma correlação entre o que acontecia nas redes sociais nos dias anteriores com o ataque que vitimou a professora em São Paulo, indicando uma massa crítica ascendente de postagens relacionadas a ataques nas escolas, possivelmente fomentando ações como a que se seguiu pouco mais de uma semana depois em São Paulo.

Do dia 22 ao dia 25 de março, dois dias antes do ataque em São Paulo, foram registradas 2.800 interações apenas no Facebook sobre o termo “Columbine”. O número chama especialmente a atenção porque em todo o ano de 2023, até este período, as interações sobre o tema “Columbine” eram zero ou residuais, como demonstram os gráficos do Crowd Tangle, ferramenta de análise utilizada na produção do relatório.

Fachada da Escola Estadual Thomázia Montoro, palco de um recente massacre que culminou na morte de uma professora por um aluno da instituição. (Foto: Reprodução)

Como demonstra o trabalho, em todo o mês de março até o dia 22, não havia postagens e interações no Facebook com o termo “Columbine”. No dia 23, de repente, aconteceram 131 interações com o termo no Facebook em língua portuguesa. No dia 24, três dias antes do ataque em São Paulo, já são 2.400 interações com “Columbine” no Facebook em português–em postagens que tratam majoritariamente de ataques a escolas.

Com o termo de busca “ataques a escolas” os resultados são parecidos: 3.000 interações de 19 a 25 de março, com poucas menções antes do período. No dia 19 foram 18 interações e no dia 20, 538. No dia 23 o termo de busca alcançou pelo menos 961 interações. Com oscilações, o termo se manteve em alta no Facebook até o dia 26, véspera do ataque em São Paulo, com 515 interações em postagens ( a partir do dia 27 a menção ao termos de busca “ataques a escolas” também explode).

No dia 24 de março, três dias antes do ataque com vítima fatal em São Paulo, sites e páginas de notícias regionais, em postagens no próprio Facebook, já denunciavam diversas ameaças, organização e apologia a ataques a escolas em aplicativos de mensagens e redes sociais, também mostra o relatório da Ekō. Já havia burburinho e pânico online dias antes da primeira morte no final de março.

No Instagram, podemos ver um comportamento parecido. Com o termo “Columbine”, o relatório mostra que não houve nenhuma interação até o dia 22 de março. No dia 23 o termo começa a subir nas redes, com 754 interações. Um dia depois, em 24 de março, já são 7.700 interações. O termo oscila para baixo nos dois próximos dias até explodir no dia 27,quando acontece o ataque, com 32.200 interações. De 22 a 26 de março, véspera do primeiro ataque com vítimas fatal neste ano, foram 10.439 interações em 26 posts públicos.

Muitos dos posts com ameaças, anúncios e apologia de ataques a escolas deste período prévio já foram moderados, posteriormente a tudo o que aconteceu, pelas plataformas. Apesar disso, a análise dos números e termos demonstra que os ataques a escolas se tornaram um tema com conteúdos virais poucos dias antes do ataque de 27 de março, o primeiro com vítimas da série.

Quando olhamos o teor de postagens ainda disponíveis nas redes feitas no período prévio aos ataques sobre o tema, é possível constatar que o assunto já estava “na boca do povo” nas redes sociais dias antes da tragédia consumar-se.

Para Flora Arduini, diretora de campanhas na Ekõ que coordenou a elaboração do relatório, o PL 2630 que será votado semana que vem no Congresso pode finalmente endereçar esse problema sistêmico das plataformas. “A pesquisa aponta com clareza como a lógica dessas empresas do clique a qualquer custo significa, inclusive, colocar nossas crianças em risco em nome do engajamento e lucro”, afirma Arduini. “Até quando? Todos devemos nos unir para proteger nossas crianças, e, regulamentar essa indústria é peça fundamental para que isso aconteça.”

As últimas versões do PL 2630 importam noções de uma legislação aprovada há poucos meses na Europa, a chamada Digital Services Act. No texto do PL disponível até o encerramento dessa pesquisa, as plataformas terão obrigações como análises sistêmica de risco, maior transparência e dever de cuidado de suas operações. Tal lógica ajudará a identificar, mitigar e agir frente a conteúdos como de desinformação e incitação à violência, tais como dos ataques às escolas.

Flora continua: “Empresas como Meta e Google serão obrigadas a se adaptarem à legislação europeia e podem facilmente se adaptar a uma legislação com lógica similar no Brasil, mas estão lutando com unhas e dentes para que a Lei seja enfraquecida”, afirma a diretora de campanhas da Ekō. “Fica bem explícito como essas empresas tratam o povo brasileiro como cidadãos de segunda classe. A Ekō continuará atuando para que o PL 2630 mantenha esses e outros pilares robustos de responsabilização das plataformas no texto final, tal como a criação de uma autoridade independente para fiscalização e proteção da liberdade de expressão.”

O novo relatório da Ekō mostra ainda como uma subcultura sobre massacres em escolas com milhões de interações em conteúdos relacionados floresce nas variadas plataformas –além de Facebook e Instagram, foram analisados Twitter, Tik Tok e Instagram– com pouca ou nenhuma moderação e acompanhamento por parte das redes.

O movimento Ekō publicou diversas investigações durante as eleições no Brasil que apontaram as falhas sistêmicas por parte das redes sociais no país, 1 e mostrou evidências de como TikTok, Facebook, Instagram e YouTube impulsionaram e faturaram com conteúdo de desinformação, discursos de ódio e apologia à violência.

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