Até onde o governo Lula deve ceder à pressão de Lira? Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 15 de junho de 2023 às 15:32
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira e o presidente Lula
Foto: Reprodução

Arthur Lira quer indicar um nome para o Ministério da Saúde, que tem visibilidade, muitos cargos, verba abundante e suculentas oportunidades de negócios com o setor da medicina privada, tão voraz quanto inescrupuloso. Até onde o governo deve ceder?

Lula tem resistido, com razão, à pressão para substituir Nísia Trindade por algum parlamentar do baixo clero. Depois da tragédia dos últimos anos, com teto de gastos e governo Bolsonaro, recompor a saúde público tem que ser uma prioridade absoluta de seu governo.

Mas quais ministério são “cedíveis”? Onde Lula já colocou indicados do Centrão, tem colhido escândalos, incompetência e traições. Um exemplo é Juscelino Filho, que não só não tem compromisso com a agenda de democratização da mídia como usa verba pública para participar de leilões de equinos e deixa as rédeas do Ministério das Comunicações nas mãos do sogro. Ou Alexandre Silveira, que faz do Ministério das Minas e Energia um refúgio de bolsonaristas.

É difícil porque não há, nas reivindicações do Centrão, nenhuma questão de política governamental. Nem mesmo se trata da busca de espaço para fim de vantagem política. O objetivo é mesmo ganhar com negociatas.

A situação piora porque Lula não consegue sequer comprar apoio no atacado. Os partidos do Centrão são agregados de ocasião, sem unidade nem liderança. Como observou o jornalista Bruno Boghossian, na Folha de hoje, não tem como Lula negociar com o União Brasil, por exemplo. São pelo menos quatro alas diferentes que precisam ser contentadas.

E mais: com um governo frágil, ameaçado por uma extrema-direita agressiva, muitos parlamentares tendem a achar que é melhor vender seu apoio projeto a projeto, em vez de integrar um “base” mais ou menos estável.

Onde ceder? É difícil. Certamente não a área econômica, nem educação, saúde ou meio ambiente, nem direitos humanos (se bem que esse nem é cobiçado pelo Centrão), cidades, transportes… Talvez o Ministério do Turismo, que já está com Daniela do Waguinho, na corda-bamba por causa do imbróglio do União Brasil. Ou Pesca, nas mãos de um apagado deputado do PSD. Ainda assim, há implicações – do meio-ambiente aos direitos trabalhistas.

Se o jogo é pensado apenas entre Executivo e Congresso, o xadrez é complicado, impossível mesmo. Tem que incluir novas variáveis – a começar pela pressão popular.

Ou talvez Zé Dirceu estivesse certo. Comprar o apoio no Congresso com o pagamento de um mensalão sai mais barato e é menos danoso para o país.

Publicado originalmente no Facebook do autor

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Luís Felipe Miguel
Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.