Ausência de boa-fé no Supremo Tribunal Federal? Por Afrânio Silva Jardim

Atualizado em 9 de abril de 2018 às 7:55
Cármen Lúcia e Merval Pereira, da Globo

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Vamos explicar o que está ocorrendo, de forma didática e clara, em face da negativa da presidente Carmem Lúcia em não permitir, pelo Plenário, o julgamento de duas Ações Diretas de Constitucionalidade.

1 – Tais ações têm como objetivo ser julgado constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal que dispõe:

“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)”.

Por esta regra legal, não é possível a prisão sem o trânsito em julgado da condenação. Não é admitida a prisão automática, como simples efeito de uma condenação penal, ainda que provenha de acórdão de tribunais.

Lógico que o citado dispositivo legal não impede a prisão em flagrante nem as prisões cautelares que menciona.

2 – Ora, o Plenário não tem como dizer que este artigo 283 do CPP é inconstitucional. Ele não está em conflito com nenhuma regra da Constituição Federal ou mesmo com nenhum princípio que dela se extraia.

Muito pelo contrário, ela corrobora a regra constitucional, a qual dispõe sobre a presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação penal.

3 – Desta forma, o que deve ser debatido e discutido NÃO É O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, MAS SIM SE O ARTIGO 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL É CONSTITUCIONAL OU NÃO.

4 – Assim, não tem procedência a alegação da ministra Carmem Lúcia de que é muito recente o entendimento do S.T.F. de 2016, no sentido de que é cabível a execução provisória e, por tal motivo, não merece ele ser rediscutido. Este tema não é o objeto das duas A.D.C.s.

Repito: o objeto das ações declaratórias de inconstitucionalidade não é a regra da constituição que veda a presunção de culpa antes do trânsito em julgado, mas sim a constitucionalidade do supra citado artigo 283.

Assim, a ministra Rosa Weber deve se ater a votar sobre a constitucionalidade ou não desta regra do Código de Processo Penal, não importando o seu entendimento pessoal e o precedente do S.T.F. a que ela diz estar subordinada.

Aliás, os ministros estão esquecendo do art.105 da Lei de Execuções Penais que, expressamente, exige o trânsito em julgado da condenação para que possa ser iniciada a execução da pena privativa de liberdade.

5 – Como a ministra Carmem Lúcia sabe, como todos sabem, que o artigo 283 do Cod. Proc. Penal não é inconstitucional, ela impede que se decida a matéria, para não ser derrotada no seu entendimento. Autoritarismo???

Ora, se o artigo 283 não é inconstitucional, tem de ser aplicado. Para tal, não precisa de interpretação que conforme a Constituição Federal, pois a sua redação está em absoluta consonância com esta Lei Maior. É preciso que tenhamos absoluta honestidade intelectual.

Os juízes não podem decidir como eles gostariam que a lei dissesse. Eles têm de decidir em conformidade com o que está dito nas regras jurídicas. Fora disso, não há Estado de Direito e passamos a ter indesejáveis voluntarismos e ativismos no âmbito do Poder Judiciário.

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Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre Docente em Direito Processual Penal pela Uerj.